O futuro é radioso
Em termos de Sporting a coisa está muito grave, não há como o escamotear. Mas com alguma perspectiva histórica - não falo da contabilização oficial dos campeonatos ganhos na década de 1920, como alguns insistem em debater, como se isso fosse realmente o relevante num clube com este monumental historial - as coisas deixam de ser tão dramáticas. Ou seja, como sempre o conhecimento histórico, para além de prazeroso, permite sopesar o presente e fundamentar a acção projectiva de futuros.
O clube vive de futebol, é este o seu dínamo em termos morais e económicos nesta era de espectáculo globalizado e frenesim comunicacional. Algo que se reforça, de modo até esquizóide, neste país futebolizado, como o ficou desde o advento das tv's privadas e do tétrico patrioteirismo do Euro-2004 a la Scolari (ainda que já em início dos 1990s o célebre consultor político-económico Michael Porter recomendasse ao país centrar-se nas coisas do futebol ...).
E no futebol o fosso para o Benfica e para o Porto, coetâneo do advento da indústria global do futebol, é enorme e vai crescer. E mais crescerá, talvez até abissalmente, quando chegar o previsível campeonato europeu, para o qual não está o clube minimamente habilitado neste momento. E esse horizonte (esperemos que apenas horizonte, pois esse hipotético campeonato será letal para o futebol europeu, ainda que decerto lucrativo para os espectáculos televisivos/computadorizados), a expectativa de ascender ao grupo dos 20 ou 30 clubes eleitos, tem marcado as estratégias organizativas do futebol português nos últimos anos. Isto não é "calimerismo", pois muito do mal que o Sporting passa advém de causas internas, das suas características sociológicas. Mas muito também provém das manipulações que os líderes do futebol português vêm executando para manter a primazia actual e para preparar esse futuro de profunda hierarquização do negócio futebol.
Mas se pensarmos historicamente (privilegiando a história contemporânea) ver-se-á que há cerca de dez anos o Benfica passou uma crise enorme, mesmo já sob a presidência de Vieira. E que o Sporting, em particular com o presidente Soares Franco, durante a era de Paulo Bento no futebol, esteve quase a erguer-se como clube relevante em Portugal (sim, uso o relevante de propósito) e podendo assim sedimentar a sua afirmação na Europa - e mesmo que os resultados de então nas competições europeias não fossem brilhantes eram passos de um caminho de integração num grupo de relevância superior.
É certo que esse período de relativo sucesso - sem o ambicionado título nacional, é certo - muito aproveitou da referida crise do Benfica. Dez anos depois as coisas inverteram-se, estando o SCP bem pior do que o Benfica estava então. Ora este processo não pode deixar de alentar os sportinguistas, pois permite entender que uma gestão competente poderá recuperar o clube num breve período histórico, como aconteceu no nosso sempre horroroso rival vizinho. É certo que será mais difícil do que o que aconteceu, pois a ascensão do Sporting terá que chocar com uma organização pouco cristalina do mundo futebolístico (nacional e internacional). E enfrentará um Benfica que está muito robusto - enquanto este clube na sua revitalização apenas cruzou um Sporting tendencialmente suicidário. Ou seja, o Benfica recuperou-se enfrentando um futebol português unipolar, sob a liderança portista. E o Sporting terá que se revitalizar face a um duo poderoso, ainda que o Porto se prepare para as dificuldades típicas do final dos excessivamente longos consulados.
Em suma, se olharmos para a história recente do futebol português, teremos que crer que o futuro do clube é radioso, por sombrio que o pareça agora. Agora se quiseremos ganhar a próxima "taça da liga" ou outras comezinhas realizações, se pensarmos que isso é que é importante? Vai tudo ainda mais por aí abaixo.