Novos contos da montanha
1. Vamos num passeio de família para um local remoto. Um passeio emocionante, pela montanha, incríveis as fotos que tiramos. São só 650 quilómetros ao nosso destino, chegamos lá pela hora de jantar, não há pressas que vamos lá dormir. Vamos mas é até àquela cascata perdida na serra que nos falaram. O carro avaria no meio de nada. O telemóvel está a ficar sem bateria. Para azar o cabo USB é antigo, não dá para carregar este modelo. Vai-se a ver e nem trouxemos nada para comer ou beber. Anoitece inesperadamente depressa e começa a ficar frio. É feriado. Véspera de fim de semana. Começamos todos a discutir e a ficar assustados. Há berros, gritos, passa culpas, medo. Há três horas que estamos ali sem que passe ninguém. Começa a chover.
No banco de trás, o garoto pergunta se podemos pedir Uber Eats.
2. Talvez o que mais me continue a espantar no nosso país – e o Sporting decorre em Portugal – é esta capacidade de manter a exigência, de querer o melhor, de estarmos alheios às circunstâncias que nos rodeiam, como o garoto no banco traseiro do ponto anterior.
Aprendamos que por vezes não dá sequer para comer umas bolachas, quanto mais pedir Uber Eats.
3. Futebolisticamente falando, o erro de Varandas foi ter acreditado que apesar do clube estar preso por arames, a equipa ter setores (defesas laterais, “trinco”, baliza) com jogadores que talvez não fossem titulares no Guimarães, podia dar-se uma fezada e ganharmos a Liga. Talvez se desse um efeito Leicester, todos remassem para o mesmo lado e a coisa talvez acontecesse.
Se não desse para UberEats, talvez desse para pedir TelePizza, quando estava à vista que não dava para pedir nada, primeiro era preciso sair dali.
4. Ao manter Bruno Fernandes cometeram-se dois erros: não se encaixou a receita e deixou-se um jogador que, pela sua especificidade, desequilibra o estado emocional do grupo. Bruno passa a bola quando quer, remata quando quer, marca os livres e cantos que quer, berra com quem quer. Não sou especialista em psicologia das organizações, mas apostaria que nem todos os colegas o veem da mesma maneira. No fundo, BF porta-se como o “Messi” ou o “CR” do Sporting, sendo que não é nenhum desses. Essa carga emocional intensa que advém do estrelato (auto)conquistado por BF será o primeiro dossier de Silas. Esperemos que BF colabore.
5. O segundo é tentar criar trincos e/ou um box to box como deve ser. Será Eduardo? Haverá alguém por lá que a malta não vê? Honestamente não estou a ver, mas também não sou treinador. Acho que resolvidos estes dois dossiers, jogo a jogo, as vitórias surgirão.
6. O mais irónico é que a época está longe de estar perdida. Ainda podemos ficar em terceiro – o nosso lugar lógico – e ainda podemos vencer as taças e até fazer um brilharete na Liga Europa. Quem sabe as coisas serão diferentes no futuro, mas por ora são assim, é isto que podemos valer.
7. A mim, enquanto sportinguista, não me custa que assim seja. Admito que com outros não seja assim, mas por mim até podemos descer de divisão que continuarei do Sporting.