Nós, há dez anos
António Figueira: «Comi alguma coisa estragada ao jantar e tive um pesadelo horrível: que no Mundial de 2054, disputado na Gronelândia (era em Junho, os dias nunca mais acabavam e fazia muito calor), os jogadores equipavam apenas de calções e as selecções distinguiam-se umas das outras pelas tatuagens que os jogadores usavam no tronco (os brasileiros com uns tucanos e uns sabiás sobre fundo amarelo, os do Emirado da Síria e do Levante todos pintados de negro, só com uns dizeres do Profeta a enfeitar, etc.); os árbitros, por seu lado, distinguiam-se dos jogadores por serem autorizados a usar cabelo, e usavam todos o mesmo corte, dito à Meireles (em homenagem a um jogador português do princípio do século); e Portugal lixou-se, mais uma vez, por acumulação de cartões (que no novo código FIFA eram amarelos por pensamentos impuros, cor-de-laranja por dentadas e vermelhos por blasfémias & insultos politicamente incorrectos): o detector telepático apanhou um dos nossos defesas carecas a dar uma cabeçada virtual num avançado da Prússia e a partir daí foi o descalabro.»
Helena Ferro de Gouveia: «O Brasil vai a penaltis. De Roraima ao Rio Grande do Sul há uma nação suspensa das luvas de um goleiro com nome de imperador. “Assim ninguém vai poder dizer que o Brasil comprou a Copa, pô”. Deu Brasil e o menino chora. O bar abraça-se numa loucura. Um e outro e outro pegam no menino ao colo, atiram-no ao ar. “Você foi a nossa mascote. Nos deu sorte”. O bar compra a caixinha completa de balas ao Marcelo-mascote-herói e ainda paga o dobro. O Marcelo sorri, sorri sem reservas. Cumpriu um sonho “ver o jogo como os ricos da Vila (Madalena)” e hoje a mãe “não vai bater, nem chingar”. O futebol inventou um jeito de igualar todos, pelo menos por um dia.»
João Paulo Palha: «Luís Francisco, há pouco, na TVI24: Eu estou convencido de que temos campeonato do mundo até ao fim. Até pode ser que me engane, mas quer-me parecer que este tipo tem razão.»
José Navarro de Andrade: «O Brasil pode jogar mal, um direito conquistado por ser uma penta-potência, por ter gasto uma dinheirama a implantar estádios em cidades meticulosamente escolhidas por não haver futebol decente nelas e por apresentar jogadores que jogam nas mais finas ligas europeias e passeiam de Bentley descapotável nas grandes metrópoles historicas do Velho Continente. Devia, aliás, o Brasil reclamar uma espécie de wild card para só se apresentar na final, no dia marcado, sem essa trabalheira de jogar com selecções domésticas como a dos Camarões ou a do Chile. Mas os gregos, senhores? Ter-se-ão imbuído de Euripedes para fazerem de cada jogo uma tragédia só desenlaçada nos segundos finais? Será que conspiram contra a língua portuguesa e vêm para o Brasil estragar a festa como fizeram em 2004 em Lisboa? Mas não haverá quem lhes espete uns cinco secos para nos desampararem a loja? Por quanto mais tempo iremos aturar aquele futebol de quem luta para não descer?»
Luciano Amaral: «Não percebo porque é que, nesta altura do ano, os jornais desportivos parecem um Jornal de Ocasião (um olx.pt, vá lá, para ser mais moderno) de jogadores de futebol. Bem, lá perceber percebo, o que não percebo é porque se chama àquilo jornalismo.»
Rui Cerdeira Branco: «Será avançado, será número 10, é japonês, tem 26 anos, internacional pelo seu país sobre o qual poucos entenderam o porquê de ter ficado de fora do mundial. O Sporting foi buscá-lo ao Kashiwa Reysol procurando reforçar a sua linha ofensiva, patrocinando aquele que será o primeira ingresso de Tanaka nos campeonatos europeus.»
Eu: «Já não havia tempo para reagir. Caía o mito Ochoa - até ao momento, o melhor guarda-redes do Mundial. Caía a selecção mexicana. Mas de pé, com o orgulho de quem se bate sem temor até ao fim. Merecia ter seguido em frente. Mas esta Holanda, já se percebeu, está imparável. Até onde chegará?»