Nem parece que sonham com a Champions
Gil Vicente, 0 - Sporting, 0
Chermiti: imagem da desolação no estádio de Barcelos onde em Outubro o Varzim nos derrotou
Foto: Estela Silva / EPA
O estádio do Gil Vicente tem sido funesto para nós esta época. Em Outubro fomos lá afastados da Taça de Portugal pelo modestíssimo Varzim, do terceiro escalão do futebol nacional e que nem sequer tinha casa condigna para nos receber. Agora, no mesmo local, voltamos a tropeçar - desta vez com um empate a zero que acaba por ter um certo sabor a derrota. Isto porque nos impediu de encurtar distâncias face ao FC Porto (sete pontos acima de nós) e ao Braga (que tem mais cinco).
Atacámos bastante, mas quase sempre mal. A tal ponto que os nossos jogadores caíram oito vezes em situações de fora-de-jogo, estabelecendo um novo recorde na Liga 2022/2023. Dá que pensar...
A defesa apresentou-se sólida, o meio-campo foi aguentando ao ver reposta a parceria Ugarte-Morita. Faltou fazer a diferença na capacidade de decisão lá na frente. Edwards e Pedro Gonçalves, talvez os nossos jogadores com maior talento, foram perdulários. Chermiti, anteontem titular face à ausência de Paulinho por lesão, revelou a imaturidade própria dos seus 18 anos. Mesmo assim, foi dele o lance mais vistoso da partida: podia ter marcado golo de calcanhar, logo aos 10', tendo sido impedido pelo guardião Andrews, melhor jogador em campo.
Foi nas alas que o nosso jogo se revelou mais deficiente. O sistema de Rúben Amorim exige laterais projectados no corredor que funcionem como principais municiadores do ataque. Nem Esgaio (à direita) nem Matheus Reis (à esquerda) cumpriram tal função. Tímidos, não arriscaram lances de ruptura. Pecaram por défice ofensivo. Quando avançavam, eram lentos e previsíveis. Ou mediam mal a posição de fora-de-jogo: Edwards (54') e Pedro Gonçalves (60') até meteram a bola lá dentro, mas viram os golos anulados por deslocação.
Rúben Amorim terá pecado na preparação deste embate contra a equipa que há mês e meio derrotou o FC Porto no Dragão. Tinha melhores elementos para o vaivém dos corredores externos: Nuno Santos e Arthur, com bons desempenhos no desafio anterior, em Alvalade, frente ao Santa Clara. Por motivos difíceis de entender, ficaram ambos no banco. E o brasileiro só entrou ao minuto 76, rendendo um Esgaio totalmente desinspirado. Também a quebra (física ou anímica?) de Ugarte se tornou evidente a partir da hora de jogo.
Como o zero-a-zero inicial persistisse à entrada do quarto de hora final, o treinador apostou no tudo ou nada: fez três mudanças já muito tardias, quando o tempo útil para desfazer o empate começava a esgotar-se. O coração parecia impor-se à cabeça: só isto explica que Coates tenha transitado de central a ponta-de-lança, ansiando por um chuveirinho milagroso que lhe desse oportunidade para cabecear com êxito.
Azar: os centros passaram a ser rasteiros, o que dificultou ainda mais a missão do capitão uruguaio, policiado com eficácia pela sólida defesa gilista. A desinspiração de Edwards e a falta de nervo de Trincão, incapaz de imprimir o suplemento de ânimo de que a equipa tanto necessitava, contribuíram para que o jogo terminasse como começou. Facto raro: há cerca de dois anos que não registávamos um empate sem golos.
Também merece registo, pelo insólito, o nosso primeiro canto ter ocorrido só aos 63'. O que serve para confirmar a inoperância ofensiva do Sporting.
Quem sonha com a Liga dos Campeões tem de se bater por ela. Foram poucos os nossos jogadores que demonstraram ter muita vontade para encurtar a distância face às duas equipas situadas imediatamente acima de nós na tabela classificativa. Entre os que remaram contra a maré, destaco St. Juste: exibição irrepreensível.
Agora aparentemente já livre das lesões que durante meses o apoquentaram, o defesa holandês - que chegou ao Sporting, no Verão passado, com fama de ser o central mais veloz da Europa - foi, nas fileiras leoninas, um dos raros que revelaram inconformismo. Lutando sem nunca baixar os braços até ao minuto final.
Se todos fossem como ele, o nosso percurso ficava mais fácil.
Breve análise dos jogadores:
Adán - Muito pouco trabalho. Na única vez em que foi realmente chamado a intervir (52'), revelou reflexos rápidos, como se impunha, neutralizando o ataque gilista.
St. Juste - Muito eficaz a ler o jogo, sem receio dos confrontos individuais, pegou na bola várias vezes e construiu com ela dominada, levando a equipa para a frente.
Coates - Regressado ao onze, o nosso capitão foi decisivo na missão de neutralizar Navarro, o artilheiro da turma de Barcelos. Acabou o jogo com ponta-de-lança improvisado.
Gonçalo Inácio - Está longe da sua melhor forma física. Pelo segundo jogo consecutivo, é substituído ao intervalo. Atento às dobras, faltou-lhe a habitual perícia no passe longo.
Esgaio - O treinador dá-lhe sucessivas oportunidades, mas ele teima em desperdiçá-las. Centrou pouco e mal. Aos 11', atirou à figura: com outro, seria golo. Substituído aos 76'.
Ugarte - Um pouco abaixo do elevado nível médio a que nos tem habituado, o internacional uruguaio protagonizou boas recuperações (26', 44'), mas foi esmorecendo. Saiu aos 76'.
Morita - Foi dele o melhor lance individual do desafio, ao percorrer meio campo com a bola dominada (37'). Passe exímio para Nuno Santos aos 73'. Fatigado, foi rendido aos 85'.
Matheus Reis - Duas missões em campo. No primeiro tempo, demasiado tímido nas incursões como ala esquerdo. Melhorou ao recuar para central, na etapa complementar.
Edwards - Dele espera-se sempre um rasgo de génio para desembrulhar jogos difíceis, como já sucedeu nas competições europeias. Mas desiludiu. Até marcou, mas não valeu.
Pedro Gonçalves - Andou a transitar entre o ataque e o meio-campo, algo errante, sem fazer a diferença. Nem na cobrança de livres, uma das suas especialidades.
Chermiti - Fez de Paulinho, como avançado-centro. Raras vezes a bola lhe chegou em condições. Quando isso acontecia, ele estava deslocado. Ainda tem muito para aprender.
Nuno Santos - Dinamizou o flanco esquerdo ao substituir Gonçalo, no segundo tempo. Destacou-se com um remate forte e bem colocado, aos 73', para defesa difícil de Andrew.
Arthur - Pareceu ter entrado demasiado tarde, quando substituiu Esgaio aos 76'. Mais dinâmico e criativo, procurou soluções no corredor direito. Bons cruzamentos (78' e 83').
Trincão - Entrou por troca com Ugarte. Lançado na ala esquerda do ataque, enquanto Pedro Gonçalves recuava, mostrou-se inofensivo. Um remate à figura e pouco mais.
Tanlongo - Substituiu Morita aos 85'. Troca algo estranha, esta de pôr um médio defensivo quando mais precisávamos de atacar. Amarelado aos 90'+4: precisa de refrear a força.