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És a nossa Fé!

Nelson Mandela

No dia em que o sócio de mérito 31118 (em 2013) festejaria 100 anos, a nossa homenagem

 

«Acima de tudo espero que as crianças não percam nunca a capacidade de alargarem os horizontes do mundo em que vivem através da magia das histórias

Nelson Mandela

 

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«Na verdade, na verdade, nem tudo o que vão ouvir corresponde à realidade.»

 

É com estas palavras que os contadores de histórias ashanti iniciam as suas narrativas e elas parecem ajustar-se a servir de introdução a uma antologia como esta, uma vez que muitas destas histórias passaram por inúmeras metamorfoses ao longo dos séculos. Quem conta um conto acrescenta um ponto, e alguns deles passaram de um povo ou grupo étnico para outro.

Uma história é uma história, e podemos contá-la de acordo com a nossa imaginação ou o ambiente que nos rodeia; e se a nossa história ganha asas não podemos impedir que outros se apropriem dela. E pode acontecer que ela um dia regresse, com novas roupagens e uma nova voz. Esta característica peculiar das histórias tradicionais pode ser ilustrada pela forma como os contadores de histórias habitualmente concluem as suas narrativas: «Esta é a minha história, tal como a contei; tenham gostado ou não, levem-na para outros lugares e tragam-ma de volta».

Nesta antologia, algumas das histórias mais antigas de África, depois de terem viajado ao longo dos séculos para lugares distantes, são devolvidas com nova voz às crianças de África. A presente recolha oferece uma mão-cheia de contos de todos os tempos, verdadeiros retalhos da alma africana, mas ao mesmo tempo plenos de universalidade naquilo que retratam dos homens, dos animais e do mundo sobrenatural.

As crianças terão oportunidade de reencontrar alguns dos temas mais acarinhados nas histórias africanas, ou, quem sabe, de os descobrir pela primeira vez. Eis a criatura manhosa que consegue ludibriar toda a gente, mesmo os adversários mais corpulentos: Hlakanyana dos Zulus e dos Xhosa, e Sankhambi dos Venda; a lebre, essa patifória astuciosa; o habilidoso chacal, frequentemente no papel de trapaceiro; a hiena (por vezes associada ao lobo) a fingir-se desprotegida; o leão no seu papel de rei a distribuir benesses aos outros animais; a cobra, que provoca medo, mas simbolizando também o poder curativo frequentemente associado ao poder da água; palavras mágicas que marcam o destino ou assinalam a liberdade, pessoas e animais que passam por metamorfoses; canibais terríveis que apavoram miúdos e graúdos.

Para complementar estes tesouros da tradição, esta recolha inclui também algumas histórias mais recentes provenientes de vários pontos da África do Sul e de outras regiões do continente africano.

Espero que a voz do contador de histórias nunca deixe de se ouvir em África. E que todas as crianças de África possam maravilhar-se com a beleza dos livros. E, acima de tudo, que as crianças não percam nunca a capacidade de alargarem os horizontes do mundo em que vivem através da magia das histórias.

 

NELSON MANDELA

 [no prefácio]

 

 

«A GATA QUE PREFERIU VIVER DENTRO DE CASA

 

Existem muitas histórias que explicam a forma como os cães foram domesticados, mas este conto shona do Zimbabué, contado originalmente na língua karanga ao musicólogo e etnólogo Hugh Tracey, explica a forma como os gatos se tomaram habitantes acarinhados das casas humanas.

 

Há muito, muito tempo existia uma gata, uma gata selvagem, que vivia sozinha no meio do mato. Cansada de viver sozinha, arranjou marido, um gato selvagem que ela considerava o animal mais esperto de toda a selva.

Um dia, seguiam eles a sua jornada por entre o capim, saltou-lhes ao caminho o Leopardo, que derrubou o marido Gato e o atirou para a poeira.

- O-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o meu marido está coberto de pó e já não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Leopardo.

E a Gata foi viver com o Leopardo.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles a caçar no mato, de repente surgiu o Leão que atacou o Leopardo pelas costas e o devorou num instante.

- O-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Leopardo não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Leão.

E a Gata foi viver com o Leão.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles a passear na floresta, surgiu uma sombra ameaçadora por cima das suas cabeças, e - chap-chap - o Elefante pôs uma pata em cima do Leão e esmagou-o contra o chão.

- O-o-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Leão não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Elefante.

E a Gata foi viver com o Elefante. Montava-se nas costas dele, agarrada ao pescoço junto às suas enormes orelhas.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles por entre os canaviais à beira do rio, e - pum!-pum! - ouviu-se um estampido, e o Elefante caiu redondo no chão.

A Gata olhou à sua volta e viu um homem com uma espingarda.

- O-o-o-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Elefante não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Homem.

E a Gata seguiu o Homem ao longo do caminho até à casa dele, e subiu para o telhado da sua cubata.

- Até que enfim! - exclamou a Gata. - Acabo de encontrar a criatura mais esperta da selva.

Vivia no telhado da cubata e começou a caçar os ratos e as ratazanas que havia na aldeia. Um dia, estava ela no telhado a aquecer-se ao sol, ouviu um barulho que vinha do interior da cubata. As vozes do Homem e da Mulher aumentaram de tom, até que o Homem saiu para o exterior e caiu redondo no meio da poeira.

- Ah! Ah! - exclamou a Gata. - Agora é que eu sei quem é a criatura mais esperta em toda a selva. É a Mulher.

A Gata desceu do telhado, entrou na cubata e sentou-se junto ao lume.

E aí ficou até aos dias de hoje.»

 

In: As mais belas fábulas africanas : as histórias infantis preferidas de Nelson Mandela. 4ª ed. Lisboa : Nuvem de Letras, 2017. pp. 11-13, 23-27

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