Não há volta a dar
Na vida tendemos a reparar no exótico e desprezar os certinhos. Na bola, que é muito vida, é igual. Nem William, nem Adrien, nem João Mário e muito menos Patrício são exóticos, pintosos, tatuagens, cabelo ao vento, golas levantadas, meia em baixo, ligaduras coloridas nos pulsos. São jogadores de equipa, futebolistas profissionais, que, percebe-se, levam a sério o jogo, o que o treinador lhes diz. Jesus dirá umas coisas e agora, no momento, Fernando Santos dirá outras. E eles obedecem, porque aprenderam a obedecer porque é assim que se deve fazer quando está em causa um valor maior, que é o da equipa.
A estratégia – de sucesso – de Santos passa por minimizar brilho (porque brilho é muitas vezes risco) e privilegiar eficácia, seja contenção, seja no ocupar do espaço, seja no soltar a bola para o lado, seja no fechar a ala, seja na anulação das forças contrárias.
Lê-se nas notas que os desportivos dão nos dias seguintes aos jogos que há muito de adepto em quem escreve. Doze ou quinze lances discretos e eficazes perdem sempre na comparação para uma corrida desenfreada e inconsequente, de cabelo ao vento. Defesas seguras nos momentos chave, sem gritos e insultos a seguir para os colegas, são defesas óbvias, desvalorizáveis. Jogadores que erram mas que não se deixam afectar e continuam no jogo sem voltar a errar, são jogadores que erraram e pronto. Jogadores que começam a defender na grande área do adversário, impedindo-os de construir, são jogadores que tiveram uma actuação “regular”. Jogadores mágicos (como João Mário) não fazerem um único truque e assim obedecerem às instruções e deixando palco para outros, são exibições “discretas”.
Um dos méritos de Fernando Santos tem sido o anular quase por completo do exótico no jogo da nossa selecção. Mérito porque levou a equipa à final e nos recorda que na vida para ganhar é preciso primeiro não perder. E sim, até a mim me irrita, que também gosto de futebol exótico. O nosso é um futebol entre o cauteloso, o burocrático e o expectante. Por isso, os jogadores que citei, e outros obviamente, merecem mais aplauso por saberem e quererem anular alguma da sua natureza em prol do colectivo.
O adepto é adepto e pronto e até pode achar que Xis não jogou nada e que o Y é que é bom. Mas quem é profissional na observação da bola deveria, quanto a mim, explicar melhor aos seus leitores os méritos desta dinâmica em que o individual, o contrato de milhões, a manchete, a glória da espuma dos dias é secundarizada em nome do emblema que defendem. Foi isso, esse método e disciplina, que nos levou à final.
Somos todos Portugal, mas há uns, no campo, que o percebem melhor que os outros. Haverá volta a dar?