Não falem mais mal do Bruno
Das discussões que vou lendo e tendo, não tenho dúvida de que a esmagadora maioria dos sportinguistas condena a ação de Bruno de Carvalho - as exceções constituem uma "cesta de deploráveis", para usar uma expressão que se tornou célebre, que não merece grande discussão. Apesar de tudo, uma parte significativa ainda parece disposta a aceitar Bruno de Carvalho como um mal menor.
O tema mais fraturante entre os sportinguistas, tão fraturante que eu receio que não haja mesmo conciliação possível (a menos que as rescisões sejam revertidas) é a razão - ou não - dos jogadores no seu procedimento. Uma parte dos sportinguistas (entre os quais eu me conto) julga que os jogadores, apesar de serem principescamente pagos (ao preço de mercado, a maior parte deles), são homens livres e que têm que ser tratados com dignidade: não são escravos, e nem um clube de futebol é a tropa ou a Igreja. Outra parte, pelo que me apercebo pelo que vou lendo e ouvindo bastante significativa, condena Bruno de Carvalho sem margem para dúvidas, MAAAAAAASSSSSS.... (este "mas" é mesmo enorme) também julga que os jogadores "não tinham o direito" de responderem como responderam ao post de Madrid; que muitos deles "devem tudo ao Sporting" e, ao rescindirem, "estão a ser uns ingratos". Por isso mesmo creio que já não vale mais a pena discutir a bondade da ação de Bruno de Carvalho, e antes perder algum tempo a discutir e clarificar este assunto. Bruno de Carvalho, que pode ser psicopata mas de burro não tem nada, já se deve ter apercebido de que esta é a grande divisão, e por isso reparem que já nem perde grande tempo a tentar defender-se: procura antes atacar os jogadores, procurando criar mais divisões entre os sportinguistas e explorando essas divisões como forma de lhe render votos. Se esta visão de que os jogadores também são culpados de alguma coisa for a maioritária no seio dos sportinguistas, provavelmente mais vale deixar estar Bruno de Carvalho na presidência.
Oponho-me totalmente a esta visão: os jogadores foram humilhados publicamente após Madrid, e limitaram-se a reagir publicamente em defesa do seu bom nome e dignidade profissional. Na sequência houve quem passasse a ver os jogadores como estando em guerra com o presidente e o clube, e graças a isso deu-se a invasão de Alcochete. Na sequência dessa invasão os jogadores não receberam nenhum apoio da parte do clube. Foram à polícia sozinhos, com o treinador mas sem nenhum responsável. No momento mais negro da história do clube, a direção não apoiou os atletas. Pelo contrário, disse que era tudo normal (ou "chato"). E isto depois de ter passado semanas a instigar os sportinguistas contra os jogadores. Quem achar que, perante este cenário, os jogadores devem aceitar tudo sem reagir e ficar, "por gratidão ao Sporting", enfim... prefiro nem classificar. Só direi que não pode ser boa pessoa.
É evidente que nenhum sportinguista quer que os jogadores saiam, e ninguém acha que os jogadores não têm que ser gratos ao Sporting, pelas oportunidades que tiveram de demonstrarem que são bons jogadores e pela faixa de adeptos (que não são todos, mas é uma grande parte) que sempre os apoiou. Mas achar que "devem tudo ao clube" é capaz de ser um bocado demais, mesmo relativamente aos jogadores formados no Sporting (recordo que Bruno de Carvalho chegou a afirmar que William Carvalho devia a sua carreira a ele, Bruno). Achar que "se não fosse o Sporting, Rui Patrício seria um operador de call center" (como li num post inenarrável publicado num blogue que me habituei a respeitar) é triste, pelo que revela de sobranceria, paternalismo e sobre a forma de encarar os jogadores. Quem escreve isto, sim, é profundamente ingrato para com o Rui Patrício e, no fundo, considera que os clubes deveriam ser donos dos seus jogadores. O futebol de quem pensa assim morreu mesmo - e já não foi agora.
Também eu gostaria que houvesse mais amor à camisola, mas os futebolistas são profissionais. Os adeptos não podem esperar que tenham o mesmo amor à camisola que eles. Outros clubes não se queixam de que os seus jogadores tenham falta de "amor à camisola" como se queixa o Sporting: não será porque dão mais condições para que esse amor se realize? Dito isto, nunca deixei de ver amor à camisola e respeito ao clube da parte destes jogadores. E a prova de que têm amor ao clube consiste na sua palavra de que estão dispostos a ficar, desde que não seja com o presidente que tanto os maltratou (e com quem não creio que nenhum jogador queira trabalhar). Não é uma imposição aos sócios do Sporting, que são livres de escolherem quem quiserem para a presidência, menos Bruno de Carvalho. E também são livres de escolherem Bruno de Carvalho: os jogadores é que são livres de não quererem trabalhar mais com ele, e deixaram isso bem claro.
Termino como comecei: esta discussão sobre a culpa ou não dos jogadores, bem mais do que a culpa do presidente, é o assunto mais fraturante por que o Sporting já passou. Não há concliliação possível, a não ser que as rescisões voltem atrás. Estarão os sportinguistas dispostos a procurar esta conciliação?