Motivos para sentir saudades da época do sétimo lugar
Conhecem aquela piada batida que os norte-americanos gostam de repetir: "Ten years ago we had Johnny Cash, we had Steve Jobs and we had Bob Hope. No we have got no cash, no jobs and no hope"?
Lembrei-me muito disso à medida que a conjugação de resultados dos jogos desta noite indicava que o Sporting iria perder o terceiro lugar, afundando-se ainda mais na irrelevância para a qual caminha. Além de ser uma idiotice perder o miserável último lugar do pódio por culpa própria, sujeitando-nos a mais dois jogos de resultado incerto para aceder a uma Liga Europa que atribui um prémio de participação dez vezes inferior ao da Liga dos Campeões, o que mais me perturbou nesta temporada de pesadelo, da humilhação na Supertaça à impossibilidade de defender a Taça após sermos eliminados por uma equipa do terceiro escalão, à fraca figura nas competições europeias, ao recorde de derrotas no campeonato, à saída dos melhores jogadores sem substitutos à altura, às contratações milionárias de reforços incapazes de merecerem esse nome, à sucessão de treinadores até à batida da cláusula multimilionária de rescisão de um novato promissor mas com muito para aprender, é a triste constatação de que não devemos esperar melhorar na próxima época.
E é por isso que sinto nostalgia daquela temporada em que acabámos no sétimo lugar (algo que poderia muito bem ter sucedido neste ano, pois além do Braga também o Rio Ave, o Famalicão e o Vitória de Guimarães apresentaram melhor futebol do que o Sporting), visto que pelo menos nessa altura tínhamos esperança de que o futuro seria (como veio a ser, mas não tanto quanto merecíamos ou quanto foi permitido que acontecesse) bastante melhor.
Por muitos defeitos que se possam apontar à gestão de Godinho Lopes, ele pelo menos teve noção de que fizera um trabalho miserável, afastando-se para que os sócios encontrassem um rumo. Por muitos defeitos que se possam apontar à figura de Bruno de Carvalho, nem nos seus momentos de pior desvario que marcaram o colapso da sua presidência se aproximou dos níveis de incompetência e falta de aderência à realidade demonstrados por Frederico Varandas.
Até ao confinamento foi quase sempre com extrema tristeza que me encaminhei ao estádio em dias de jogo, assistindo à pobreza franciscana no relvado - contrariada aqui e acolá pelo génio de Bruno Fernandes, pela classe mundial de Coates, Mathieu e Acuña, e pela afirmação de Luís Maximiano, Wendel e por vezes Jovane Cabral - e ao clima de divisão e desmobilização nas bancadas. Uma e outra desgraça atribuíveis ao dirigente que assegurou não estar "estriste" com o estado em que meteu o Sporting.
Aproximando-me do meio século de vida, ocupada pelo Sporting desde que me lembro, de Rui Jordão e Manuel Fernandes, de Carlos Lopes a Fernando Mamede, de Joaquim Agostinho a António Livramento, de Teresa Machado a Naide Gomes, de Miguel Maia a Carlos Silva, sinto um vazio que só posso descrever como falta de esperança.
Temo que a continuação deste conselho de descalabro nos acabe por derrotar a todos pelo cansaço, temo que não reste força para continuar a lutar, temo que desapareça a minha fé, tal como temo que o mesmo suceda a muitos daqueles que seguem o leão.
Do ponto de vista mais prático e menos filosófico, sucede o seguinte: a próxima época será aquela em que Portugal voltará a colocar três equipas na Liga dos Campeões, sendo o terceiro suficiente para ter a possibilidade de, com engenho e um sorteio feliz, encaixar as dezenas de milhões de euros necessárias para reaproximar o Sporting daquilo que merece ser há quase duas décadas.
O problema é que não acredito que tão fraca gente seja capaz de montar uma equipa que consiga esse objectivo mínimo. E as perspectivas são pouco animadoras: Acuña e Wendel serão alvos do mercado, alguns dos jovens talentos que foram utilizados na fase final da temporada podem estar de saída (curiosamente, também no final da época do sétimo lugar Eric Dier e Bruma acabariam por ir embora) e o plantel está repleto de futebolistas que nunca teriam lugar no FC Porto e Benfica. Em alguns casos, nem nas outras equipas da primeira metade da tabela, sendo que alguns deles têm salários pesados. Perante isto, o que se vê é a contratação de um central trintão, com historial de lesões e que nunca foi campeão pelo Barcelona, o empréstimo prolongado de um lateral-direito (esperando-se que não seja mais um a acrescentar pouco numa posição muito mal ocupada desde que Piccini foi transferido depois de não se juntar à manobra do "toca a rescindir") e o possível resgate de um eterno suplente da baliza do Atlético de Madrid.
O Sporting precisaria, mesmo que todos os melhores do plantel actual ficassem, de um guarda-redes experiente para enquadrar Luís Maximiano (Beto Pimparel acaba de anunciar que vai deixar a Turquia), um lateral-direito que seja mais do Ristovski, Rosier e Rafael Camacho juntos, um central de créditos firmados (há trintões em final de contrato que, mesmo auferindo mais do que o reforço vindo de Espanha, dispensariam a entrega, material ou contabilística de três milhões ao Betis de Sevilha, mas conviria encontrar um sucedâneo de Demiral), um médio defensivo com físico e estatuto que imponha respeito aos adversários, um médio criativo para desafiar Wendel a crescer, um extremo com golo nos pés (assim como Raphinha demonstrava ser) e um ponta de lança na senda de Liedson, Slimani e Bas Dost (três avançados de características muito diferentes, mas que tinham em comum a apetência para marcar golos).
Infelizmente não creio que a actual gerência tenha capacidade para garantir o que é necessário, e mantenho a infausta impressão de que se contentará em aceitar os restos de catálogo que empresários amigos e clubes devedores se dignem apresentar-lhes.
Vejo também com apreensão o que se prepara nas modalidades, ainda que o futsal tenha uma base e um treinador fortes o suficiente para contrariar o desinvestimento, o basquetebol seja um projeto acarinhado pelos seus criadores e o hóquei possa beneficiar da integração na equipa dos dois jovens que se destacaram no empréstimo ao Barcelos.
Após ter resistido demasiados anos a pertencer a um clube que me aceitasse como sócio, continuarei a pagar as minhas quotas para ajudar a financiar as modalidades e para quando chegar a altura, espero que não tarde de mais, possa afastar os actuais dirigentes com o meu voto. Mas na ressaca do final desta época miserável afigura-se-me improvável que venha a renovar a Gamebox mesmo que as bancadas voltem a ter público. Com grande pena minha, há momentos em que se torna necessário dizer basta, mesmo que o estejamos a dizer a nós próprios.