Leonardo, Johnson e Rui Jordão na Cova da Moura
Estava a caminhar por uma das ruas mais inóspitas da Cova da Moura, onde nem a companhia de um residente prestigiado do bairro nem o desviar das câmaras dos camaradas de reportagem para o chão aplacavam os olhares desconfiados de residentes e comerciantes informais, quando me apercebi, a meio da conversa, de que partilhava um ídolo de infância com o Johnson Semedo, cujo fantástico trabalho na promoção da educação e do desporto tem ajudado a que centenas de jovens não trilhem o caminho que em tempos idos o conduziu ao crime e ao castigo da prisão.
A meio daquela rua percebemos que um miúdo da Alvalade traçada a régua e esquadro por urbanistas do Estado Novo tardio e outro miúdo da Cova da Moura em que os prédios brotam por necessidade e à revelia de qualquer noção de urbanismo se tornaram sportinguistas mais ou menos ao mesmo tempo. E em grande parte por influência do mesmo homem, de seu nome Rui Jordão, avançado elegante como um bailarino do Bolshoi e letal como um ninja. Separados por tudo e mais alguma coisa, tirando o essencial, Johnson e Leonardo, agora homens crescidos, a meio caminho entre a infância e a velhice, mantinham a admiração pelo ídolo.
Quis contar esta história ao Rui Jordão, desde há muito distanciado por vontade própria do mundo de futebol, dedicado sobretudo à pintura, mas nunca consegui convencê-lo a dar uma entrevista. Tentei as redes sociais, deixei recados no número de telemóvel arranjado por amigo em comum, sem qualquer sucesso. Ele não gostava de aparecer e muito menos de entrevistas. Agora já é tarde.
Que descanse na paz da eternidade quem partiu tão cedo e deixou tão grande marca. Pode ser que nos venhamos a encontrar noutro mundo e espero que nessa ocasião, após vencer a resistência de quem continuará a não querer aparecer, tenha tido o cuidado de verificar que o gravador tem as pilhas carregadas.