Jornada 13 sem vestígio da tal "estrelinha"
Moreirense, 2 - Sporting, 1
Como diria João Pereira, «é preciso levantar a cabeça». Nada fácil, com a equipa a afundar-se
Foto: Estela Silva / EPA
Há 21 anos que não perdíamos com o Moreirense. Havia recordes a bater - e este foi batido em Moreira de Cónegos há três dias. Na primeira derrota fora do Sporting em quase um ano: não sabíamos o que isso era desde um embate em Guimarães com o Vitória local, a 9 de Dezembro, com o árbitro João Pinheiro e o vídeo-árbitro Hugo Miguel a funcionarem como reforços da turma visitante.
Desta vez ninguém pode apontar o dedo ao árbitro: António Nobre, fiel ao seu critério largo, teve um comportamento irrepreensível. Sem atender a mergulhos teatralizados nem a fitas no relvado, tão à portuguesa. Aos 9' assinalou penálti favorável ao Sporting quando viu Gyökeres derrubado em local proibido pelo competente central Marcelo, que até já passou por Alvalade. Helder Malheiro, o VAR de turno, confirmou. O craque sueco tomou balanço - e meteu-a lá dentro.
Caía o minuto 12, a equipa parecia embalada para o primeiro triunfo da nova "era João Pereira" após derrotas em casa contra Arsenal (1-5) e Santa Clara (0-1). Mas a falta de alegria e a ausência de dinâmica dos nossos jogadores eram tão flagrantes que nem chegou a pairar um leve sentimento de euforia no topo norte, onde se concentrava a maioria dos adeptos leoninos. Vários dos quais idos de Lisboa ao Minho só para verem este jogo.
A intuição deles - e a nossa, dos que acompanhámos o desafio pela televisão - estava certa. Bastaram sete minutos para o Moreirense empatar. Com o nosso ala esquerdo Matheus Reis muito subido, transformado em extremo (uma das inovações que o técnico recém-chegado da terceira divisão introduziu na dinâmica da equipa), Gonçalo Inácio foi surpreendido num contra-ataque rápido ao ir à dobra e teve de fazer falta.
Do livre nasceu o primeiro golo da equipa local, como recomendam os compêndios. Bola apontada com precisão para a área muito povoada e o defesa Dinis Pinto, com 1,78m, a saltar com inteira liberdade: Trincão, com 1,84m, devia marcá-lo mas esqueceu-se da tarefa, ficando de pés no chão. Cabeceamento tenso e bem direccionado para a nossa baliza, onde Vladan fez figura de manequim da Rua dos Fanqueiros. Outro golo encaixado pelo sérvio: a colecção vai aumentando.
Era o minuto 19, a partida voltava ao ponto inicial. Empatada. Sentado no banco, João Pereira limitava-se a bater palmas, em aparente incentivo aos jogadores. Mas a sua expressão facial angustiada contrariava a energia positiva que pretendia transmitir.
Permaneciam os equívocos no fio de jogo leonino.
Preenchimento em excesso do corredor central. Alas transfigurados em extremos a despejar bolas para ninguém. Caudal ofensivo afunilado, facilitando a tarefa defensiva da turma visitada. Daniel Bragança tentando ser um novo Pedro Gonçalves, entalado na meia-esquerda ofensiva sem actuar de frente para a baliza, onde tantas vezes tem demonstrado qualidades de visão e distribuição de jogo. Gyökeres sem espaço para o rápido ataque à profundidade que já lhe valeu muitos golos. Passividade na reacção à perda de bola. Centrais batidos em velocidade por laterais que progrediam sem oposição.
Pior ainda: chocante desconcentração de jogadores que já demonstraram inegáveis atributos. Como Geny, que transformou um banalíssimo lançamento lateral em passe para golo, oferecendo o segundo ao Moreirense aos 35'. Schettine agradeceu: nem a deixou cair no chão e num fulminante remate à meia-volta encaminhou-a para o fundo das nossas redes. Vladan voltou a imitar um manequim.
Começava a parecer jogo de matraquilhos. Felizmente o intervalo não tardou.
Retomada a partida, com 2-1 ao intervalo, impunham-se mudanças. Mas João Pereira deve ter hesitado - e ninguém da sua incipiente equipa técnica, toda oriunda da Liga 3, pareceu ajudá-lo em tão magna tarefa.
Esboçou-se tímida reacção ao resultado desfavorável. Mas o melhor que foi possível, nesta fase em que perseguíamos o pontinho do empate ainda com algum afinco, foi um cabeceamento de Morten ao travessão, na sequência de um canto, aos 53'.
Cumpriu-se a hora de jogo, decorreram mais cinco minutos, e o técnico lá conseguiu desfazer as hesitações, operando duas mudanças. Quenda substituiu St. Juste e Maxi Araújo rendeu Daniel Bragança, que saiu lesionado. Vai parar pelo menos até ao fim do ano. Outro a juntar-se a Nuno Santos (não iremos contar com ele durante o resto da época), Pedro Gonçalves (não regressa antes de Janeiro) e Israel (há duas semanas com "síndrome gripal").
Abusaria da benevolência quem concluísse que o Sporting melhorou com as mexidas. Nada disso. Os equivocos persistiram, o Moreirense mostrou-se sempre mais compacto e organizado, a nossa equipa partiu-se na ânsia de cada jogador querer resolver o jogo como se os outros não contassem. Trincão, abusando de fintas e reviengas inconsequentes, era bem o espelho disso. Teve o golo à mercê, aos 51', mas a clarividência abandonou-o: acabou por chutar para onde não devia. À figura de Marcelo.
Novamente a impor-se o cenário de mesa de matraquilhos.
Gonçalo Inácio, imitando Morten no "excesso de pontaria", acertou também na trave, aos 81', após cobrança de um livre.
Estava escrito que viríamos de Moreira com a segunda derrota seguida na Liga - terceiro desafio consecutivo a perder. Igualava-se algo que não testemunhávamos no Sporting desde três funestas semanas de transição, em Setembro de 2019, quando Leonel Pontes conseguiu ser técnico interino sem vencer um jogo.
Saimos derrotados, sim. Não apenas pela sólida equipa local, que já tinha imposto um empate em casa ao Benfica e eliminado ali mesmo o FC Porto da Taça de Portugal. Viemos de lá derrotados por nós próprios. Irreconhecíveis.
Seis pontos desperdiçados em duas jornadas. Já o mesmo número de derrotas encaixado, ainda nem a meio da prova, do que em todo o campeonato anterior. Na 13.ª ronda, com a tal "estrelinha" da sorte definitivamente sumida. Rumou a parte incerta.
No final, viam-se lenços brancos esvoaçando nas bancadas. Seriam mais úteis a enxugar lágrimas de raiva por vermos o tão ambicionado bicampeonato agora tão periclitante, neste Sporting A travestido de equipa B.
"Erro de casting», como diria João Pereira. Falando talvez de si próprio sem sequer fazer ideia.
Breve análise dos jogadores:
Vladan (4) - Mais dois golos sofridos para o seu pecúlio, já considerável. Mal posicionado no primeiro, lento de reflexos no segundo.
St. Juste (4) - Trocou com Debast: no jogo anterior saltou do banco, desta vez foi ele o titular, substituído pelo belga. Irrelevante. Parece ter deixado de ser veloz.
Diomande (4) - Beneficiou do "critério largo" do árbitro: podia ter visto o amarelo em dois lances. Remate disparatado para a bancada após canto (64').
Gonçalo Inácio (4) - Esteve no pior (falta aos 18' que originou primeiro golo adversário) e no menos mau (cabecou à trave, 81'). Fez três posições como central no jogo.
Geny (2) - Autor do mais disparatado lançamento lateral deste campeonato. Funcionou como passe para o golo que valeu três pontos ao Moreirense (35').
Morten (5) - Procurou remar contra a apatia dominante, mostrando galões de capitão em campo. Tentou ser útil. Quase marcou de cabeça aos 53': acertou na trave.
Morita (3) - Uma sombra do que já foi. Falhou passes, não arriscou movimentos de ruptura. Parecia desejar que o jogo terminasse rapidamente.
Matheus Reis (4) - Um lateral que por vezes é central e outras vai para extremo. Sem conseguir um cruzamento digno desse nome. Primeiro - e único - só aos 86', quando voltara a ser central.
Trincão (3) - Não desaprendeu de jogar, mas não parece o mesmo da era Amorim. Deixou-se desarmar, permitiu intercepções, perdeu infantilmente a bola. Nenhum poder de fogo.
Daniel Bragança (4) - Outro caso evidente de quebra abrupta de qualidade. Dois remates sem nexo para a bancada, aos 42' e aos 44'. Saiu com queixas musculares aos 65'.
Gyökeres (6) - O melhor dos nossos. Após dois jogos sem marcar, voltou a fazer o gosto ao pé. De penálti (12') que ele mesmo conquistou. Sem uma oportunidade de bola corrida.
Maxi Araújo (3) - Substituiu Daniel Bragança aos 65', já com a equipa muito partida: cada um tentava desenrascar-se como podia. Nada acrescentou.
Quenda (3) - Entrou aos 65', rendendo St. Juste. Sem conseguir articular com Trincão. Aos 73', em vez de passar a bola, fez um passe frouxo ao guarda-redes. Marcou muito mal um livre (78').
Debast (3) - Substituiu Diomande aos 78'. Inoperante. Aos 87', quis fazer um passe a romper linhas, acabando por entregar ao guardião adversário. Kewin agradeceu.
Harder (4) - Rendeu Geny aos 78'. Como vários colegas, tentou jogar sozinho em busca do milagre que permitisse conquistar um pontinho. Sem conseguir.