Hoje giro eu - Os benfiquistas Toni e Borges Coutinho
Numa hora destas, em que aumenta a crispação entre os mais extremistas adeptos dos 3 Grandes e em que somos permanentemente invadidos com novas revelações do caso dos emails e, agora também, de suspeitas sobre viciação de resultados desportivos, ambas as situações alegadamente envolvendo o emblema da Luz, o pior que podemos fazer é tender para a generalização sobre os benfiquistas, o seu comportamento, a sua integridade, em suma os seus valores.
O Benfica é um emblema histórico português e europeu, bicampeão europeu em finais memoráveis contra os colossos Barcelona e Real Madrid. O clube do fabuloso Eusébio da Silva Ferreira, dos presidentes Joaquim Ferreira Bogalho - que construiu o primeiro Estádio da Luz - e Maurício Vieira de Brito e do treinador Béla Guttman. Por conseguinte, o Benfica, enquanto clube, e os benfiquistas, em geral, merecem de nós, sportinguistas, o maior respeito. Embora rivais e muitas vezes um osso demasiadamente duro de roer, a grandeza do Benfica e os memoráveis despiques que com ele travámos, ajudaram também a construir a aura de glória do enorme Sporting Clube de Portugal. Dito isto, ambos não seriam tão grandes se não houvesse o outro, porque com dizia Auguste Comte, pai do Humanismo,"tudo na vida é relativo e esse é o único valor absoluto".
O Benfica não são cartilhas, não são determinados comentadores televisivos, não são os casos que tristemente vêm sendo do conhecimento público. Nesse sentido, porque entendo que não devemos confundir a árvore com a floresta e num sentido respeito que nutro pelos meus amigos benfiquistas, trago aqui hoje 2 homens que são parte indelével da história benfiquista e que, no meu entender, são também um exemplo do que é o saber estar no desporto.
Comecemos por Duarte Borges Coutinho. De raízes açorianas - ostentava o título nobiliárquico de Marquês da Praia - Borges Coutinho foi presidente do Benfica entre Abril de 1969 e Maio de 1977. Nesse período, o Benfica ganhou 7 campeonatos em 9 possíveis (perdeu apenas os títulos de 69/70 e o de 73/74 para o nosso clube). Não deixando de ser um fervoroso adepto do futebol (dizia-se que tinha um jeito especial para detectar bons jogadores), destacou-se pela sua urbanidade, educação. Era um "gentleman", um Senhor! Honrado, aventureiro no bom sentido e dono de grande carácter, ouvi há dias Toni dizer que participou na Segunda Grande Guerra, como aviador, ao serviço das forças aliadas, mesmo tendo Portugal declarado a sua neutralidade.Era um aristocrata que gostava do povo, amava o balneário e o convívio com os jogadores e, apesar disso, tinha destes um respeito reverencial.
O outro nome que aqui trago é o de António Conceição Oliveira (Toni). Cresci a ouvir relatos de jogos em que ele participava. Na maioria das vezes contra o meu Sporting. Muitas tristezas me deu nesse período. Mesmo no primeiro título do Sporting de que tenho memória, o do Yazalde (73/74), não me esqueço de que perdemos os 2 jogos contra o Benfica, o último dos quais no nosso Estádio e por 3-5, partida que recordo na pequena homenagem que dediquei ao grande Hector Yazalde, aqui no blogue, na rúbrica Recordar. Grande capitão, Toni foi sempre um jogador valente, mas leal. Recordo-me especialmente de uma final da Taça de Portugal em que, depois de ter lesionado involuntáriamente o jogador portista Marco Aurélio, ao dar-se conta da gravidade da mazela não aguentou as lágrimas e, consternado, pediu para saír do campo. Esse exemplo que me ficou, de homem e de jogador de carácter, ainda hoje perdura na minha memória. Como treinador foi igual a si próprio: entrou, ganhou e saiu sem alarido. Do seu palmarés constam 10 títulos de campeão nacional (8 como jogador e 2 como treinador) no Benfica, aos quais junta 5 Taças de Portugal (uma como treinador). E já nem falo aqui dos seus inúmeros títulos como adjunto, cargo esse que ocupou sempre com grande lealdade para com o(s) seu(s) chefe(s). É triste, muito triste, vêr homens como Toni não caminharem para novos. Ele é um exemplo do que é saber estar no desporto, pela sua bonomia, pela capacidade de saber estabelecer pontes, não fechar portas, pelo seu desportivismo, por nunca o sucesso lhe ter subido à cabeça, ele que até foi atraiçoado mais do que um punhado de vezes por gente que não o mereceu.
Evocando estes nomes, para além da merecida homenagem a estes rivais que nos obrigaram a ser mais fortes, pretendo mostrar que ser do clube A,B ou C não é garantia de nada. Há maus exemplos, mas também existem, felizmente, vários casos de pessoas que, mesmo contribuindo para a nossa frustração, não podemos deixar de admirar. Quando pensamos num futebol limpo, os nomes de Borges Coutinho e de Toni, como os de João Rocha e Peyroteo vêm-me logo à cabeça. Neles me revejo e neles estabeleço a confiança no futuro que aí vem. Ainda há homens valorosos e bons.