Hoje giro eu - Dois Sportings
Esta época pascal foi reveladora: existem dois Sporting diferentes, o das modalidades e o do futebol profissional. Na sexta-feira, ao verificar a forma senhorial como os nossos andebolistas dominaram o seu rival da Luz esta ideia veio-me à cabeça. O professor Hugo Canela foi investido interinamente como treinador principal em meados da época passada, substituindo o espanhol Zupo Equisoain. As expectativas não eram demasiado elevadas e a imprensa noticiou que o Sporting tinha tentado assegurar Carlos Resende, na época treinador do ABC e actual treinador do Benfica. A equipa estava praticamente afastada do título e os sportinguistas apenas desejavam que a época terminasse com dignidade. Hugo Canela e a sua equipa começaram por nos conquistar pela humildade no discurso, eram uns rapazes simpáticos, dizia-se. A verdade é que Hugo começou a mostrar liderança quando conseguiu unir a sociedade de nações que era o plantel leonino, alguns já cansados de grandes batalhas passadas, em torno de um objectivo comum. Jogadores como Ruesga ou Kopco pareceram ganhar uma nova vida, a equipa começou a crescer e, beneficiando da quebra do FC Porto, acabou por ganhar o campeonato. A que ainda juntaria uma nova Taça Challenge.
Apesar da saga vitoriosa, Hugo ainda era olhado com desconfiança no início desta época. O Sporting iria participar na Champions League e ainda estava por demonstrar se o triunfo nacional se deveria mais a mérito próprio ou a demérito dos rivais. A equipa leonina acabou por ter uma participação muito prestigiante na prova raínha do andebol europeu, batendo-se de igual para igual com gigantes como os franceses do Montpellier. Aqui chegados, um treinador que duvidasse das suas capacidades teria encontrado na pré-eliminatória e nos 10 jogos da fase de grupos da referida competição uma justificação para o cansaço e para uma época menos positiva. Canela não! O treinador leonino usou a experiência europeia como a especiaria, o condimento que iria aprimorar o "prato" que iria servir aos adversários. A elevação do nível de jogo do Sporting foi notória e isso, conjugado com um plantel profundo e bastante homogêneo, tem tornado a equipa praticamente invencível intramuros. No final, o que fica é a liderança de Hugo Canela, que transformou o que muitos veriam como uma ameaça numa oportunidade de melhorar.
Noutras modalidades, como o voleibol e o hóquei em patins, também se nota essa vontade de suplantar permanentemente obstáculos. No vólei, após um longo interregno, a conjugação de esforços entre o treinador Hugo Silva e o seu mais experiente jogador e grande dinamizador da secção, Miguel Maia, tem permitido transformar um conjunto de jogadores que nunca tinham jogado juntos numa equipa firme e determinada na procura de novos objectivos. Como consequência, estamos na final do campeonato, onde iremos defrontar o rival de sempre. No hóquei, passo-a-passo temos vindo a diminuir a "décalage" face a adversários com muito maior experiência, progressivamente atenuando o "gap" criado pelos longos anos em que a secção esteve interrompida. Liderados por Paulo Freitas, um treinador com um discurso muito assertivo, a equipa tem vindo a crescer a olhos vistos e, pasme-se, está na liderança do campeonato, ao mesmo tempo que já tem um pé nas semi-finais da Liga Europa, a Champions do hóquei patinado europeu. É certo que Benfica e Porto são muito fortes e o Sporting não pode ser qualificado de nenhuma maneira como o favorito, mas nota-se ali um grande entusiasmo, motivação e vontade de superação.
Superação é o termo ideal para ilustrar também o que se passa noutras modalidades como o ténis de mesa, onde chegámos às semi-finais da Champions, o atletismo - acabámos de ganhar os campeonatos masculinos e femininos de corta mato - o goalball, que nos fez campeões europeus, ou o rugby feminino, tradicional vencedor de cada vez mais renhidos confrontos com o eterno rival. Já para não falar da consagradíssima secção de futsal do Sporting.
E chegamos ao futebol. A ideia que fica é que os nossos jogadores não compreendem na sua totalidade a responsabilidade do que é servir o Sporting e/ou que não estão devidamente motivados para o desafio que têm pela frente. A permanente desculpabilização do insucesso, incutida pelo treinador, é, a meu ver, a principal razão da pouca correspondência entre investimento avultado e sucesso desportivo. O vento, os árbitros, a relva, a sobrecarga de jogos, as lesões tudo tem servido para antecipadamente justificar os fracassos. E digo antecipadamente, por ser verdade e para que melhor se compreenda o erro crasso em que temos vindo a laborar. Em vez de se preparar uma equipa para a vitória, comunicam-se previamente razões para um eventual insucesso. E continuamos com aquele discurso de que estamos a fazer melhor do que no antigamente, algo que constitui uma afronta à história do Sporting Clube de Portugal. Talvez fosse bom fazer sentir à famosa Estrutura do futebol que estamos na final do campeonato de uma modalidade após um interregno de mais de 20 anos, que quebrámos a malapata no andebol, onde também não ganhávamos há muito tempo, e que voltámos a liderar um campeonato de hóquei, algo que não acontecia há muitos anos e depois já de uma épica vitória na Taça CERS, jogada fora de casa, com uma equipa de tostões e contra o anfitrião e todo-poderoso Reus.
A história do Sporting é feita da superação de homens e mulheres como Carlos Lopes, Fernando Mamede ou Joaquim Agostinho, Patrícia Mamona, Carla Sacramento ou Sara Moreira. Superação que vem ao encontro do nível de exigência que sócios, adeptos e simpatizantes históricamente têm com quem defende as cores do clube. Essa exigência deve ser um estímulo, nunca uma inibição. Muito mais para profissionais pagos regiamente.
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