Hoje giro eu - Concílio leonino
O Sporting é hoje (outra vez) um clube desunido, desavindo com o seu passado recente, onde o ruído, o excesso e a intransigência se sobrepõem à reflexão, temperança e tolerância. Como em todos os períodos pós-revolucionários, estão ainda abertas chagas profundas entre sócios e adeptos em geral. Estas feridas advêm dos traumatizantes acontecimentos de Alcochete que levaram à destituição do antigo presidente, mas também da incontinência verbal que marcou o acto eleitoral subsequente. Ora, a pior coisa que se pode fazer numa situação destas é deitar sal em cima do problema, pois isso só irá aumentar a dor, a aflição ou a mágoa das pessoas e acentuará o mal que está instalado.
O que se passou em Alcochete foi mau demais. Os sócios mostraram que queriam uma clarificação sobre o governo do clube. As coisas demoraram a acontecer e os Tribunais foram chamados a dirimir o diferendo. Houve uma assembleia geral destitutiva e os sócios, por esmagadora maioria, votaram na saída de Bruno de Carvalho. E seguimos para eleições, onde foi eleita uma nova Direcção presidida por Frederico Varandas. O problema é que se mudou a liderança mas não se virou a página. E porquê?
Eu creio que as coisas correram muito mal nos últimos 3 meses de Bruno de Carvalho. Tal acabou por fazer instalar a Lei de Murphy e levou ao descarrilar de toda a situação. Chegados aqui, é preciso dizer que do meu ponto-de-vista foi inconcebível esse último trimestre de presidência de Bruno e que isso, só por si, avalizaria a sua destituição ou derrota eleitoral. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Os excessos próprios da campanha eleitoral levaram à diabolização do antigo presidente, entretanto impedido de participar no acto eleitoral. Vários indicadores sobre a gestão da anterior Direcção foram adulterados ou, no mínimo, truncados. Desde a insinuação sobre irregularidades nas contas até à falácia da dívida a Fornecedores (onde se olvidou propositadamente que se tratava de planos de pagamento de transferência de jogadores, algo corriqueiro no futebol), passando pelo "buraco" das modalidades ou necessidades de financiamento. À boa maneira portuguesa misturou-se tudo, porque tudo valia para afastar o homem caído em desgraça. Comparações perfeitamente desajustadas foram feitas sobre o desempenho financeiro face às duas imediatamente anteriores Direcções e tudo o que de bom foi feito foi silenciado de uma forma quase estalinesca, como se se reescrevesse a história. Adicionalmente, uma e outra e ainda outra vez se tocou na ferida aberta de Alcochete. A detenção para interrogatório de Bruno de Carvalho foi recebida por muitos com regozigo. Testemunhos houve de que era "o melhor dia" das suas vidas. Mas não era o cidadão Bruno que estava preso e sim o ex-presidente do Sporting Clube de Portugal, e na vida estas coisas pagam-se no futuro, com juros bem mais elevados do que aqueles a que estamos sujeitos no empréstimo obrigacionista.
Na minha opinião, antes da união vai ser necessário promover o concílio da familia leonina. Para tal, será necessário muito equilíbrio, moderação, inteligência e bom-senso. Há que necessariamente reconhecer alguns excessos, algumas inverdades que foram proferidas, como primeira medida para acalmar as hostes. Nestas, não me refiro à claque que esteve na origem de tudo isto, obviamente, a qual tanto prejudicou o clube e que não deverá merecer nos tempos próximos qualquer concessão. Falo do adepto/sócio comum que se revia (e ainda se revê) em Bruno de Carvalho na presidência do Sporting. De cada vez que espalhamos boataria e falsidade sobre Bruno e sua equipa de gestão estamos a adensar a chaga, a deitar gasolina para a fogueira, a dar azo ao extremismo. Desumanidade cria desumanidade. No tempo do Bruno presidente como agora. Nesse sentido, creio que esta Direcção e restantes Orgãos Sociais têm dado alguns passos num caminho positivo. Mesmo enfrentando algumas críticas de inquisidores do anterior regime, julgo terem compreendido que a reconciliação seria o mais importante. Mais até do que Frederico Varandas, Francisco Salgado Zenha tem tido oportunidade, nas suas intervenções públicas, de desmistificar alguns labéus acusatórios, contribuindo assim para a pacificação do clube. Rogério Alves terá também feito algumas "démarches" de bastidores apaziguadoras. Mais passos terão de ser dados, mesmo sabendo-se que o calendário coloca para Dezembro uma assembleia geral onde se irão apreciar as sanções propostas/impostas pela Comissão de Fiscalização.
Sendo certo que um clube de futebol, e o Sporting em particular, não é fácil de gerir, a liderança musculada de Bruno de Carvalho teve o fim que todos sabemos. Precisamos de paz. E de tempo, embora este no futebol não cure tudo, nomeadamente se os títulos não aparecerem. O bom futebol que a equipa agora orientada por Marcel Keizer vem apresentando, embora contribua para a união, pode não ser suficiente. De uma vez por todas temos de deixar para a Justiça aquilo que é da Justiça e seguirmos o nosso caminho. Andar para a frente. Virar a página. Sem termos de estar sempre a olhar para o retrovisor. A mim, envergonha-me a exposição pública constante, por maus motivos, a que vejo o clube sucessivamente sujeito. Muitas vezes regada a gasolina por sportinguistas, alguns deles sempre dispostos a maldizer o clube nas televisões em troca de trinta moedas de prata e sem arrependimento. Preocupa-me o que aconteceu anteontem e o que está a ser preparado para o futuro plebiscito, onde já se estão a arregimentar os lados das trincheiras. É preciso, portanto, pôr o clube em primeiro lugar. Regresso ao "virar de página": a coisa é relativamente simples e ou o conseguimos fazer com equidade e respeito ou seremos no futuro um rodapé das páginas do futebol português, um qualquer canto de "sportingados", "brunistas", "croquetes" ou "melancias", subdenominações que enegrecem a história gloriosa do Sporting, do qual não rezará a história. Eu prefiro um livro de ouro escrito por leões rampantes, a nossa única identidade. Têm a palavra todos os sportinguistas.