Hoje giro eu - A gesta de ser sportinguista
Quase tudo na vida é transitório e, nesse sentido, conjuga-se com o verbo "estar": eu estou vivo, eu estou casado, eu estou administrador de uma empresa, et cetera e tal.
A paixão por um clube de futebol é algo único, de diferente, de permanente, semelhante às relações de sangue, de parentesco. Nesse sentido, aplica-se o verbo "ser". Eu sou do Sporting. Até morrer o serei e, depois de partir, quem me conheceu dirá que eu "era", não que eu "estava", sportinguista.
Como diria o MEC, começar é fácil. Há um grupo de amigos que se junta e, com o apoio do avô de um deles (o Visconde de Alvalade), sonha fazer um clube. Terrenos são doados, dinheiro é avançado e, em 1906, é dado o arranque. José de Alvalade, o neto, não faz a coisa por menos e sentencia "queremos que o Sporting seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa". Coisa pequena para quem cá ficou...
E começa a verdadeira gesta de dar prosseguimento a essa iniciativa, de ser fiel ao lema do nosso fundador. Aí é que reside a dificuldade. Criar, embora não ao alcance de todos, não é difícil. Basta sonhar! Manter, bom, manter é ser guardião da continuidade, depositário dos sonhos de outrém, conservador de um espólio de glórias, assente no esforço, dedicação e devoção de todos os que serviram o clube no passado.
É mais fácil preservar em tempos de glória. Era simples, descomplicado, ser do Sporting no tempo dos "Violinos". Ver ganhar sete títulos em oito possíveis. Cavalgar o sucesso, montado às costas de Peyroteo (ou Martins), Jesus Correia, Vasques, Travassos e Albano. Mais complicado é fazer parte de uma geração que, em 35 anos, venceu por apenas duas vezes.
Cada pessoa tem a sua idiossincrasia, a sua ideia, a sua forma de estar. Mas, quando servimos o Sporting não podemos pensar só nas nossas características, temos de ter presente a tradição, o nosso passado e, a partir daí, contruir o nosso futuro. Ao contrário do que se possa pensar, ser revolucionário é simples. Entra-se em ruptura, olvida-se o que está para trás, refunda-se. Mais complicado é saber ler a nossa história, observar e conseguir descortinar as nossas escolhas pela bruma da memória, absorver a nossa tradição e ser capaz de reformar.
O Sporting precisa que a energia e determinação postas em evidência no desempenho das suas funções pelo actual presidente sejam acompanhadas pela paciência de um artesão de filigranas, o cuidado de um arqueólogo, a temperança canónica.
Na vida e nas empresas, tão importante como saber o caminho que se quer seguir é ter presente os caminhos que não queremos percorrer. O Sporting saiu dos cuidados intensivos há 4/5 anos, mas a nossa história não é essa pequena estória de dois ou três mandatos que não correram bem. É tudo o que está para trás. Que o necessário corte com tempos não tão distantes não nos ponha nunca em rota de colisão com "o que" somos e "como" fazemos. E que os timoneiros do actual Sporting tenham sempre presente o "porquê" de sermos Sporting, o mais importante, a razão de estarmos aqui. Viva o Sporting Clube de Portugal!
P.S. Em boa verdade, o Sporting é o único clube que "é". Os outros só o "são" quando "estão" a ganhar, quando isso não acontece desligam-se como os lampiões, como se denota pelas assistências nos estádios em tempo de derrotas. Enquanto outros "ganham, logo existem", a nossa existência não está dependente de vitórias, mas sim da resiliência que nos moldou o carácter, do facho que vamos passando de geração em geração.