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És a nossa Fé!

Fui ao Sporting-Borussia

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Devido a um inesperado impedimento do consagrado espectador titular - felizmente pouco gravoso pois, e para descanso do nosso "mister", isso não o afastará do próximo episódio desta bela senda de "jogo a jogo" - fui convocado à última hora para assistir ao decisivo embate com os teutões de Dortmund. Para o efeito tive de tratar, in extremis, dos trâmites burocráticos necessários à compita, um verdadeiro "frisson" ao imaginar-me qual Adrien barrado por minutos. Mas que muito me foi matizado pela simpaticíssima ajuda telefónica que obtive da funcionária da Federação Portuguesa de Espectadores que, paciente e eficientemente, me ajudou a obter um "Certificado de Vacinação Digital", documento que até à data me fora desnecessário para as competições regionais em Nenhures.

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Logo, e ainda alvoraçado, mergulhei no metropolitano na rota do Sacro Recinto, já pejada de adeptos em trânsito, entre os quais era notória a extrema concentração competitiva, discernível no silêncio nada ululante que reinava nas carruagens e estações. Exultante de "ir a jogo" disso dei notícia por via telefónica, mostrando-me nestes preparos, à panóplia de familiares e amigos mais futeboleiros. Disso recebi ecuménicas saudações e votos de alento para o embate. A surpresa era geral, sabendo-se que este veterano há muito pendurara as almofadas de bancada. E antes do Campo Grande já dois grandes amigos, viscerais sportinguistas - desses do lugar cativo no velho e para sempre "o" nosso José de Alvalade, adquirido depois das nossas juvenis pelejas no peão, da ascensão às superiores e da comoção com o fecho de estádio - me questionavam "porra, estás com guito para isso?", num óbvio "estás a tirar do rancho para ir à bola!?". Questão assisada que só à nós surgirá, aos encanecidos naúfragos desta tormenta que é a crise vivida em idade avançada, ainda para mais decorrida sob desajustados rumos profissionais, tudo isso que neste Outubro da vida nos tornou proibitivo o que nos fora um mais que acessível jovem hábito prazeroso. Lá me legitimei, expressando o convite de que fora alvo, e logo acolhendo um duplo sms similar: "ainda há gente caridosa!". E há. Chamar-se-á agora "solidariedade (social)". Ou, melhor dizendo, gajos porreiros...

Aportado ao estádio constatei o fervilhar de gente, filas gigantes placidamente serpenteando, prenúncio de "casa cheia". A aproximação da hora do apito inicial causou-me o dito "stress", o desajuste à situação, no verdadeiro pavor de perder o apito inicial... Já na cercania dos acessos ao interior do estádio amalgamámo-nos, em magotes de centenas... Lembrei-me então, saudoso, dos bons velhos tempos antes desta era Covidocena, em que tais momentos nos eram até normais, ainda que talvez um pouco desconfortáveis. Escoaram-se minutos naquele ombrear literal, no constante roçagar rizomático, em até encontrões pacíficos, na miríade de bafos d'associados e alguns solos de pragas perdigotantes. Mas a fé sportinguista impõe alento e crença, e em momento algum invoquei a sanitária protecção da dra. Freitas ou da "super-Marta", nem mesmo a do dr. Sousa Martins, pois limitei-me a rogar que me fosse concedida a via aberta até ao hino da "Champions". E, para nosso júbilo, assim aconteceu - fiquei apenas, já no meu belo lugar Central, num breve resmungo disto de que sendo o futebol um espectáculo tão caro talvez fosse de tratar melhor a gentrificada assistência...

Já arrumados nos lugares devidos fui perguntado pelo meu prognóstico e saio-me com aquilo que venho repetindo, a ver se pega: "três secos, tricórnio do Paulinho". Logo o vizinho da frente se volta, sorrindo, "não, três do Pote!", ao que lhe deixo "que seja assim, até se forem autogolos, pouco importa". Mas ele esclarece, orgulhoso, e abarcando os dois amigos - um talvez dele filho - que o acompanham: "ele é da nossa terra!", e estão eles aqui também para o apoiar, com particular desvelo. E logo ficamos comungados com o trio transmontano - porventura de Vidago onde o jogador cresceu - no redemoinho de comentários verbais e faciais que se seguirá ao longo do jogo... O estádio está quase cheio, espectadores apoiantes, entusiastas mas não eufóricos, a apreensão diante do colosso teutónico é adivinhável. Ainda assim noto, com surpresa, que atrás da mítica baliza "Vítor Damas" está um grande espaço vazio de espectadores, talvez devido a razões de segurança. Mas não, explicam-me que é a zona reservada aos portadores do deficiente "Cartão de Adepto", uma imposição legal postulada pelo governo, que colheu total inutilidade. Ou seja, se estão ali 41 mil espectadores, como viremos a ser informados, a empresa desportiva SCP foi prejudicada nas receitas provenientes da venda de alguns milhares de bilhetes. E isto é já hábito antigo, ao que me garantem. Enfim, uma peculiar noção de exercício governativo, estava eu pronto a resmungar, atascando-me em politiquices, quando me perguntam "sabes de onde é o árbitro?" - espanhol, anunciou um vizinho -, a sacramental pergunta que antecede o apito inicial do jogo, como é consabido. "Pelo menos não é russo nem turco", suspiro, lembrando as roubalheiras indecentes que na Liga dos Campeões sofremos às mãos desse tipo de agentes durante consulados anteriores.

O jogo começou em breve fogacho dos nossos. Mas logo se impôs um ritmo que se anunciou como o que iria vigorar durante a hora e meia. "Isto vai ser sofrer muito", foi-me sentenciado enquanto eu, trémulo, desperdiçava molhos de tabaco ao tentar enrolar um cigarrito. O Sporting entrou tenso, os jogadores algo apreensivos, ultrapassados pela rapidez dos de Dortmund, e a equipa manietada pela melíflua envolvência do adversário, num rendilhado de meio-campo, com tenazes em forma de interiores perfurantes, com aparência de viperino. A meu lado decide-se que a culpa de tudo aquilo é do Matheus Nunes, rapaz algo jeitoso mas incapaz de imprimir ritmo ao jogo e de exercer múltiplas tarefas em campo, uma penosa inutilidade que castra o futebol do nosso "team". Na fila de trás o parecer é diferente, o culpado - com sentença já transitada em julgado - é Saravia, o qual não corre, não defende, não pressiona, um verdadeiro mono por assim dizer. Opinião que me é contestada, quase em surdina, por um adepto incondicional do mesmo Saravia, o qual, afiança-me, "faz tudo bem". Neste ambiente de contornos cáusticos tento argumentar que aquela lentidão dos nossos talvez se deva a instruções de Amorim, um comando de que entrassem eles com cautelas miles, não fosse o caldo entornar-se ainda morno, como já acontecera. Enfim, lá consigo enrolar o cigarrito, marca Amber Leaf, e fumá-lo. Entretanto olho para o relógio e algo sossego, dez minutos já passaram, nem Saravia nem Nunes, ou outro qualquer, afundaram a equipa, e posso sentenciar: "pelo menos estamos melhor do que contra o Ajax" - lembrando que os agora neerlandeses nos meteram 2 golos logo até aos 9 minutos.

O que veio a seguir é por todos consabido. A minutos tantos o capitão Coates - infatigável e sábio durante todo o jogo, numa actuação espantosa - faz um passe longo para a frente avançada, fazendo-me reviver Polga nos tempo de Paulo Bento, em manobra que eu tanto abominava, e Pedro Gonçalves, o tal "Pote" de ouro, aproveita uma fífia alheia e abre o activo. Nem foi com a celebrada codícia, aquilo é mesmo... placidez. Pois o homem chuta à baliza com muito mais calma do que eu teclo para blog. Não haja dúvidas, é um predestinado... psicológico. E logo de seguida, quase à minha frente, dispara um "toma lá pinhões" mas mesmo esse à sua maneira, quase só em jeito. Caíramos antes, e caímos de novo nos braços dos transmontanos, eu lembrando-de de também o ser, na minha via materna, gente rija de Mogadouro e Gimonde.  E, de repente, estamos nos oitavos-de-final, arrumámos os alemães. Agora é só preciso aguentar! É certo que os malvados reagem a cada golo que sofrem, e sempre têm uma hipótese após lhe termos afagado as redes. Uma só de cada vez, sublinho-o, e após o nosso segundo golo valeu-nos a experiência do veterano Inácio, a saber dobrar o guarda-redes e a impedir o golo alheio.

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Chegado o intervalo fui invadido pela angústia. Pois se é sabido que o futebol é um jogo com bola, de onze contra onze e no qual a Alemanha ganha, a derrota seria ainda mais custosa depois de tanta ilusão e alegria, é a minha dor. A minha filha, sabendo-me no estádio, faz-me uma videochamada, lá da Inglaterra onde vive: "Querida, não te consigo ouvir", despacho-a, apesar de pai tão saudoso, incapaz de conter a ansiedade. Nesse intervalo doloroso o meu  aspecto, envelhecido, timorato, era este que aqui comprovo.

De seguida, os Dortmundos entraram ao ataque, empurrando-nos para as trincheiras. E, para piorar o estado aterrorizado em que me sentava, o Sporting tem alguns contra-ataques perigosos, coisa que na primeira parte não conseguira, criando hipóteses para mais um golo, em especial na sequência de um belo safanão do inquieto "Pote" desperdiçado por Saravia - esse "que faz tudo bem", insistia  o meu vizinho, vero anfitrião, em desespero com aquele falhanço. Ora, como é sabido, "quem não marca sofre" e nisso estava eu já em desesperança.

O jogo lá continuou, vigorando uma defesa sportinguista de grande valia, exímia em atirar os dortmundos, cada vez mais minúsculos, para o charco do fora-de-jogo. De súbito há uma trapalhada qualquer mesmo à minha frente, nem percebi o quê pois distraído a olhar o rumo da bola, seguido de um inusitado, e saudoso, sururu à latino-americanos. E nisso uma ronda de amarelos e a expulsão de um dos deles, saudada como se golo nosso fosse. Pois, mas "jogar contra dez é muito difícil!", lamento, prenunciando o agigantar adversário. Com sarcasmo, resistente, o sábio vizinho remata "e jogar com dez também", mostrando uma crença menos quebradiça do que a minha. Entretanto, e se Matheus Nunes havia já sido remetido para uma pena suspensa, com o alfobre das invectivas que lhe serão dedicadas reservado para o próximo "jogo a jogo", o juiz atrás de mim ia causticando, ainda que menos veemente, o Saravia, o tal que não se mexe. Ficou um pouco desasado com as substituições, pois agora quem iria ele criticar? Substituo-o, resmungando constantemente com esse Paulinho - o qual tanto defendo em blog - que não corre, não joga, não se desmarca, não recebe a bola, não a passa, e segue em constante footing, etc. E que, pior do que tudo, se atira para o chão, a pedir faltas sem perceber que o árbitro não vai naqueles trinados. O Amorim, que é nosso óbvio vice-almirante, que meta o TT, deixe jogar o puto. Tanto insisto nesta via analítica que o Paulinho lá saca um penalti. E surge um tricórnio possível, ainda que afinal do Pote? Certo, acaba por não ser assim, mas que Porro, que Porro.

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Desde então, dos 3-0, só me lembro de resmungar, alto e sonoro, "não há olés!!", quando os patetas começaram nesse sempre contraproducente ritmo, que tanto leva ao asneirar dos jogadores. E, depois, de passar os infinitos 7 minutos de descontos - ainda por cima durante os quais sofremos um golo de futebol de solteiros vs casados - num ladainha mais ou menos murmurada de "caralho, foda-se, acaba o jogo, foda-se, caralho, acaba o jogo, coño!". E acabou. "Eu nem acredito", diz um veterano ali vizinho, "andei décadas a ver merda aqui e agora vive-se isto", e comovo-me com isso, porque é verdade e lembro-me desse ror de dislates clubísticos, ainda que então vivendo longe, tão apartado do estádio.

E nisso seguimos às roulottes - há quantos anos não ia eu às roulottes! Fervilhantes, literal e metaforicamente, que foi dia histórico, arrombar alemães é coisa inédita, passar nas "champions" é coisa rara e já só quase memória. E queremos esta festa. Segue-se uma bifana e uma entremeada, alimentos rituais. E duas imperiais. "Queres mais uma?", pergunta. E eu "não, ganhámos por dois, bebemos duas!". Nisso, nessa recusa frugal, e quem me conhece logo o perceberá, proclamando que estou completamente exausto! Que grande festa!!! Até me comovi, cara...mba!

 

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