Esperar até ao fim para fazer a festa
Sporting, 3 - Vizela, 2
Pé-canhão do internacional sueco a marcar o segundo golo: estreia de sonho em Alvalade
Foto: José Sena Goulão / EPA
Lá tiveram as aves agoirentas de fechar a matraca. Andaram dois meses a desancar o novo ponta-de-lança leonino nas redes associais, piando contra o preço «demasiado caro» do internacional sueco e gozando à brava com o facto de o ex-avançado do Coventry vir da segunda divisão inglesa. Anteontem, sábado, comprovou-se esta evidência: o Championship é mais competitivo do que a primeira liga tuga. Gyökeres teve uma estreia de sonho no magnífico tapete verde de Alvalade, perante mais de 37 mil adeptos que o vitoriaram. Quem ansiava por um fracasso teve de enfiar a sanfona na bagagem de porão.
Bastaram 14 minutos para o nosso goleador fazer o gosto ao pé. Primeiro com o esquerdo, evidenciando soberbos dotes técnicos. Oitenta segundos depois, bisou - desta vez com o direito, em lance que ele próprio inicia, numa recuperação à saída da grande área.
Delírio em Alvalade neste regresso aos grandes dias da festa do futebol após onze penosas semanas de ausência. Com o nosso megacampeão Carlos Lopes - muito aplaudido antes do jogo - a assistir na tribuna de honra do estádio.
Esta era a novidade mais ansiada: Gyökeres passou com distinção no teste de fogo real, após promissora aparição nos amigáveis da pré-temporada. Uma estreia em jogos oficiais de verde e branco que ele jamais esquecerá.
Nós também não.
Na tribuna, outro reforço assistia com interesse à partida, no próprio dia em que chegou a Lisboa: o dinamarquês Morten Hjulmand, que ontem assinou contrato. É o nosso novo titular como médio defensivo - posição em que estamos absolutamente carenciados por ausência de um profissional experiente formado de raiz para este efeito. Ugarte já cá não mora.
Rúben Amorim, tantas vezes acusado de ser pouco inovador, deu estreia absoluta como titular a Geny na ala direita, concedendo-lhe liberdade para se projectar com ousadia na manobra ofensiva com Diomande atento às dobras na retaguarda. No miolo, um dos melhores médios criativos saídos da Academia leonina: Daniel Bragança, após longo calvário provocado por grave lesão que o afastou 15 meses dos jogos oficiais.
Sinais transmitidos pelo treinador de que confia nos talentos da casa.
O corredor oposto ficou a cargo de Matheus Reis, enquanto Morita assegurava os equilíbrios defensivos em parceria com Daniel. Duo inédito que funcionou até ao intervalo, quando vencíamos por 2-0. Gyökeres ainda tentou o terceiro de cabeça, na sequência de um canto, mas o guarda-redes defendeu.
O sueco não foi importante apenas por se tornar a nova referência atacante do Sporting, permitindo à equipa esticar o jogo com maior rapidez desde o momento em que recupera a bola. Também se destacou pelo que fez jogar, articulando bem com os companheiros - Pedro Gonçalves posicionado à esquerda e Trincão à direita - como se já jogasse há muito em Alvalade. E confirmou-se: é um poço de resistência física.
Sem nunca virar a cara à luta até ao instante final.
Infelizmente a equipa foi tirando o pé do acelerador ao perceber que a vitória acabaria por sorrir sem demasiado esforço. Convicção reiterada pelo facto de o Vizela, ao longo de toda a primeira parte, só ter feito um remate enquadrado, para defesa fácil de Adán.
O panorama mudou na etapa complementar. Daniel já não regressou, por precaução física, na sequência de um embate de cabeça com Nuno Moreira, ex-colega da formação leonina. Para o seu lugar entrou Edwards, que pareceu replicar em campo o comportamento de Trincão: desligado da manobra colectiva, parecendo mais preocupado em recrear-se com a bola do que em servir os colegas, complicando mesmo nas situações mais fáceis. Ambos também com défice na pressão da saída de bola do Vizela, facilitando a tarefa à turma visitante.
Pedro Gonçalves recuou para 8 mas não fez parceria eficaz com Morita. Manteve-se muito encostado à linha dianteira, sobrando para o internacional nipónico, sozinho, o confronto com Diogo Nascimento e Bustamante. Estes foram municiando os alas que se projectavam.
Amorim começou por retirar Geny: Esgaio prometia mais solidez defensiva ao corredor direito. Mais difícil de entender foi a troca de Matheus Reis - autor da assistência para o primeiro golo - por outro jovem da nossa formação, Afonso Moreira, este em estreia absoluta na equipa A. Também com clara vocação ofensiva, contribuindo para ampliar os espaços onde o Vizela fazia circular a bola.
Ao minuto 72', um colega de blogue que assistia comigo ao jogo dizia-me: «Vem aí um duche gelado.» Parecia que adivinhava: vieram mesmo dois golos de rajada, também com minuto e meio de intervalo - aos 75' e aos 77'. O primeiro por Essende, em três toques rápidos desde o guarda-redes, apanhando todo o nosso bloco defensivo desposicionado - incluindo Adán, que saiu mal na fotografia. O segundo por Nuno Moreira após inacreditável atrapalhação de Coates na saída com a bola.
Duche de água gelada, sim. Quando já se escutavam assobios bem sonoros no estádio e a equipa dava sinais de desnorte táctico, sem saber se privilegiava o ataque ou a defesa.
Recebeu então ordem do treinador para atacar em pressão altíssima no quarto-de-hora que faltava. Aí encostámos por completo o Vizela às cordas: o vulcão verde-e-branco reacendeu-se. Os oito minutos de tempo extra incutiram-nos ainda mais ânimo.
Nesta fase o Sporting chegou a actuar com três pontas-de-lança: Gyökeres, Paulinho (que substituíra o ineficaz Trincão) e Coates, também plantado na grande área. Os três acabaram por ter protagonismo, já ao minuto 90'+9: o sueco assiste de cabeça, o capitão vai ao choque com o central e a bola sobra para Paulinho, que à boca da baliza estica o pé direito e a mete lá dentro.
Delírio generalizado na nação leonina: por uma questão de segundos, assegurámos a vitória, garantimos os três pontos na jornada inicial da Liga 2023/2024 e mantivemo-nos invictos perante o Vizela, que nunca pontoou connosco. Embora nos tenha dado muito trabalho: na época anterior só os vencemos também pela margem mínima (2-1 cá e lá), com o desafio de Alvalade a culminar em triunfo só aos 90'+5, de penálti, convertido por Porro.
Em comparação com esse campeonato, já levamos dois pontos de vantagem: há um ano começámos mal, empatando em Braga.
Os pessimistas do costume, que já tinham abandonado o estádio, perderam o melhor da festa.
Breve análise dos jogadores:
Adán - Grande defesa a uma bomba de Nascimento aos 63. Mas teve uma hesitação fatal ao minuto 74, ao sair muito mal da área, facilitando o primeiro golo do Vizela.
Diomande - Batido no duelo com Nuno Moreira, no segundo golo da turma visitante. Mancha numa exibição que até aí denotava segurança, não apenas no processo defensivo.
Coates - Preso de movimentos, com falta de mobilidade. Fez alguns cortes à sua maneira, mas comprometeu no lance que origina o segundo do Vizela. No fim, ajudou lá na frente como pôde.
Gonçalo Inácio - Devolvido à posição adequada, como central canhoto, foi o melhor do trio defensivo nos passes longos. Mas não está isento de culpa no descalabro daquele minuto e meio quase fatal.
Geny - Noite de estreia, como titular, do jovem moçambicano formado em Alcochete. Começou bem, com projecção ofensiva, mas abusou dos dribles e denotou falta de automatismos a defender.
Morita - Com Ugarte agora ausente, coube-lhe ser médio defensivo improvisado. Recuperou muito, lutou pela posse de bola, articulou bem com Daniel. Na segunda parte, faltou-lhe parceria.
Daniel Bragança- Voltou 15 meses depois, após lesão. Organizou jogo, distribuiu com critério, não perdeu tempo com rendilhados. Saiu ao intervalo, contundido. A equipa ressentiu-se desta ausência.
Matheus Reis - Cumpriu no essencial como ala esquerdo. Momento alto: cruzamento milimétrico para Gyökeres brilhar, no primeiro golo. Substituído aos 64', sem que se percebesse porquê.
Trincão - Regressa aos jogos do campeonato como se despediu do anterior: abusando do individualismo, com fintas e fintinhas. Faltou-lhe eficácia com bola. Devia ter saído mais cedo.
Pedro Gonçalves - Estreia infeliz nesta nova Liga. Nada lhe saiu bem: desperdiçou quatro oportunidades de golo. Rendeu pouco à frente, no primeiro tempo, e nada a meio, na segunda parte.
Gyökeres - Chegou, jogou e venceu. A massa adepta rendeu-se à mobilidade e ao poder de fogo do reforço sueco. Marcou dois golos, ajudou a construir o terceiro. Titular absolutíssimo.
Edwards - Fez todo o segundo tempo, substituindo Daniel. A sua entrada forçou o recuo de Pedro Gonçalves. Pareceu algo displicente, quase desinteressado. Também ele a abusar das fintas.
Esgaio - Entrou aos 55' quando as pilhas de Geny já pareciam gastas. Menos desequilibrador do que o colega mas mais consistente no plano defensivo. Faltou-lhe ousadia na manobra ofensiva.
Paulinho - Rendeu Trincão (64'). Parecia mais do mesmo: segurou mal uma bola, atirou outra ao lado, deixou-se cair dentro da área. Mas, enfim, foi figura do jogo ao apontar o golo decisivo.
Afonso Moreira - Estreia absoluta na primeira equipa após jogar no Sporting B. Entrou nervoso, com propensão atacante, mas também a abusar das fintas inócuas. Saiu a segundos do fim.
Neto - Esteve doze segundos em campo, rendendo Afonso Moreira já com o resultado feito e sem chegar a tocar na bola. Aparição algo insólita. Deu para ouvir aplausos.