Era só um e chamava-se Peyroteo (4)
«Entrar com o pé direito, rapazes!...
Jogo no Estádio Alvalade contra equipa de alto valor, muito capaz de criar amargos de boca ao Sporting; o grupo adversário era tão bom como o nosso.
Na cabine, como habitualmente, muitas recomendações do treinador, dos técnicos da respectiva secção e, também, alguns conselhos, à meia voz, dados, gratuitamente, pelos “amigos” que (não se percebe como!) sempre conseguem entrar nas cabines, antes de começarem os jogos.
Aproxima-se a hora e alguém recomenda: -“Entrem com o pé direito, rapazes! Não esqueçam isto; pé direito!...”
A mim particularmente, também me fizeram a recomendação mas como até aquele momento sempre achei graça às superstições, pensei logo em fazer o contrário, mas nada disse.
Saímos da cabine e, junto à linha lateral, ouvia-se a mesma voz: “Entrem com o pé direito!...”
Eu, como pensara, disposto a brincar com o supersticioso, entrei no rectângulo com o pé esquerdo.
O desafio começou mal para o Sporting e para mim. Havia dez minutos de jogo e já perdíamos por 1-0. Eu não dava, na bola, um pontapé com jeito. Todos os sportinguistas desejavam o golo do empate e, possivelmente, outro a mais; porém, o avançado-centro nada conseguia.
O tempo ia passando até que a bola saiu pela linha lateral precisamente no sítio onde entráramos, e tal era o desejo de não perder tempo que fui fazer o lançamento da bola. Não sei porquê lembrei-me da recomendação… “entrar com o pé direito…” e da maroteira que fizera.
Quando o meu pé esquerdo ia a pisar o risco, num trocar rápido de passo, entrei com o pé direito!
Sabem o que aconteceu? Apenas isto: duas vezes a bola veio ao meu pé direito e foram dois golos seguidos!...
Resumo: O Sporting ganhou o desafio e eu – desde o lançamento da bola – fiz um bom jogo!
Não sei se a pessoa que, insistentemente, nos fez a recomendação, reparou no que fiz, mas certo é que nunca me falou nisso, talvez porque a superstição deixa de ter valor quando divulgada!»
Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 303-304