Equipa com rija têmpera transmontana
Rio Ave, 0 - Sporting, 3
Harder e Morten celebram vitória contra o Rio Ave, que não perdia em casa há 15 meses
Foto: Emanuel Fernando Araújo / EPA
As notícias sobre a crise de resultados no Sporting e o estado anímico dos nossos jogadores eram francamente exageradas. É verdade que houve um período para esquecer: 44 dias sobre o (des)comando do impreparado João Pereira, agora justamente devolvido ao lugar de origem: a equipa B. Perdemos oito pontos nesse interregno de má memória. Mas a liderança só deixou de ser nossa numa fugaz semana, coincidindo com o Natal.
Com Rui Borges, tudo voltou aos trilhos. Retomámos o comando, isolados. Levamos três pontos de avanço sobre o Benfica e quatro sobre o FC Porto, equipas que já vencemos em Alvalade. E mantemos incólume o sonho do bicampeonato que nos foge há 74 anos.
É verdade que a preocupante vaga de lesões vai prosseguindo. O mais recente jogador forçado a parar com queixas musculares é Eduardo Quaresma, que desta vez nem figurou na lista de convocados para o desafio de Vila do Conde. Mas o treinador mantém-se imperturbável, dizendo-se sempre «mais focado na solução» do que no problema.
Muitos adeptos sportinguistas, sempre com os nervos em franja, deviam aprender com ele.
Anteontem exibimos classe no Estádio dos Arcos. Perante um adversário que costuma fazer a vida muito difícil a todas as equipas visitantes. Basta saber que não perdiam ali há 15 meses: 20 jogos consecutivos sempre invictos. No campeonato anterior, o Sporting arrancou lá um empate com muita dificuldade: 3-3.
Afinal foi um dos nossos jogos mais fáceis. Dominámos de tal maneira, com pressão intensa desde a saída da baliza adversária e sobre o portador da bola, que os rioavistas não tiveram uma só oportunidade de golo. Mais: não fizeram sequer um remate.
Entre os postes, do nosso lado, estreava-se o guarda-redes internacional Rui Silva, recém-contratado ao Bétis. Mostrou saber jogar com os pés e exibiu segurança, mas não chegou a ser posto à prova.
Esta não foi a única novidade que o treinador introduziu no onze. Retirou Gyökeres, remetido ao banco como precaução contra a fadiga muscular. Trocou St. Juste pelo regressado Gonçalo Inácio, recuperado após um mês de paragem: canhoto, é ele o titular natural como central do lado esquerdo. E experimentou Debast como médio interior, em inédita parceria com Morten. Resultou.
A história do jogo acaba por ser a história dos golos. Dos que entraram e dos que só foram evitados devido a uma exibição do outro mundo do guardião do Rio Ave, o polaco Miszta. Foi ele a travar um duelo intenso com vários dos nossos jogadores, vencendo-os quase todos. Que o diga Harder, sempre inconformado: tentou, tentou, tentou, mas não conseguiu metê-la lá dentro. Aos 10', 39', 58', 67' e 69'. Tal como Trincão num pontapé de ressaca, aos 70'. E Morten por duas vezes, aos 11' e aos 60'.
No entanto, o improvável herói do jogo não foi capaz de impedir que ela trepassasse três vezes a baliza à sua guarda.
A primeira, traído por autogolo do seu colega de equipa Anderllan Santos. Aconteceu logo aos 3', dando o mote para o que seria a partida. Outro central, o argentino Petrasso, cometeu penálti em lance de insistência de Harder. O vídeo-árbitro Vasco Santos alertou, o árbitro Luís Godinho validou. Chamado a converter, Morten não vacilou: aos 23' vencíamos 2-0. E assim chegámos ao intervalo.
No recomeço, ao contrário do que sucedeu em Guimarães, a equipa não abrandou o ritmo, não afrouxou o passo, não concedeu iniciativa ao adversário. Continuou a jogar em posse, vencendo sucessivos duelos individuais, procurando sempre o caminho mais curto para a baliza rioavista. Com notável acerto dos corredores laterais - sobretudo o esquerdo, confiado a Maxi Araújo e Quenda. O extremo-esquerdo, com apenas 17 anos, espalhou magia no relvado. Foi, claramente, o melhor dos nossos. No drible, no passe, na mudança de velocidade, no espírito de grupo que tão bem personifica. Só lhe faltou o golo, que quase aconteceu aos 38', num remate cruzado: a bola embateu no ferro.
Rui Borges fez algumas mudanças, todas resultaram. Debast, já fatigado, deu lugar a João Simões aos 68'. O reaparecido Daniel Bragança substituiu Geny aos 81' e, em simultâneo, saía Harder para entrar Gyökeres.
Nem de propósito. Num rápido e acutilante lance ofensivo, Daniel assistiu e Viktor marcou, fixando o resultado aos 88'. Nem assim o sueco se conformou: aos 90'+2 ainda levou a bola a embater no poste.
Não há melhor tónico do que a vitória.
E nada melhor para isso do que jogar bem, sem complicar, à imagem e semelhança do nosso técnico, um dos mais tranquilos treinador da Liga portuguesa. Alguém que não se queixa - nem das arbitragens, nem das lesões, nem da chuva ou do vento.
Rija têmpera de transmontano que contagia a equipa. Nem parece a mesma que perdeu contra Santa Clara e Moreirense no tal interregno que nenhum de nós quer recordar.
Breve análise dos jogadores:
Rui Silva (5) - Estreia tranquila. A tal ponto que nem chegou a fazer uma defesa. Mas demonstrou segurança e bom jogo de pés, atributos que nos faziam falta entre os postes.
Fresneda (6) - Parece ter agarrado o lugar na lateral direita após duas contratações falhadas para o mesmo posto. Foi numa jogada de insistência dele que nasceu o primeiro golo.
Diomande (7) - Baluarte da nossa muralha defensiva. Cada vez mais acutilante também nos passes longos, bem colocados. Impõe o físico nos duelos individuais.
Gonçalo Inácio (7) - Voltou de lesão e desfez qualquer dúvida: será ele o titular como central à esquerda. Dos pés dele a bola saiu quase sempre bem direccionada, queimando linhas.
Maxi Araújo (7) - Domínio absoluto no nosso corredor esquerdo defensivo. Articulação perfeita com Quenda do meio-campo para a frente. Notável lance individual na grande área aos 52'.
Geny (5) - É um dos tecnicistas do plantel. Mas abusa do individualismo, mesmo quando tem colegas mais bem posicionados. Falha recorrente nele que voltou a demonstrar nesta partida.
Debast (7) - Inesperado joker no baralho do treinador: o central belga tornou-se influente médio-centro. Acorreu às dobras na esquerda e municiou a linha avançada com passes bem medidos.
Morten (8) - Chamado a converter o penálti aos 23', não vacilou: o 2-0 foi dele. Muito activo nas manobras de pressão, viu o guarda-redes impedir-lhe dois golos (11' e 60'). Eficaz nos desarmes.
Quenda (8) - Só lhe faltou o golo, que quase concretizou ao levar a bola ao ferro (38'), para ter exibição perfeita. Intervém no lance do primeiro. Serviu Harder três vezes. O melhor Leão.
Trincão (5) - Trabalhou bem para a equipa, mas dele exige-se um suplemento de criatividade. Só deu nas vistas num remate de ressaca aos 70', que acabou travado pelo guardião Miszta.
Harder (5) - Esforçou-se muito, mas foi vítima do excesso de ansiedade. A vontade de marcar era enorme, nesta sua estreia como ponta-de-lança titular na Liga. Sacou o penálti aos 29'.
João Simões (5) - Substituiu Debast aos 68'. Seguro, certinho, não se esquiva ao choque e ousa até algumas acções ofensivas. Vai ganhando maturidade.
Gyökeres (7) - Saltou do banco aos 81, rendendo Harder. Aos 88', marcava o terceiro, fechando a conta. Ainda viu Miszta negar-lhe o golo aos 90'+2 ao desviar para o poste esquerdo.
Daniel Bragança (6). Em boa hora regressou de lesão. Rendeu Geny aos 81'. Aos 88' assistiu Gyökeres no golo, confirmando a sua inteligência táctica e a sua arguta visão de jogo.
Esgaio (-). Substituiu Trincão aos 89'. Só o jornal Record lhe atribui nota: bastou-lhe tocar uma vez na bola para justificar 1 deste jornal, que pelos vistos não receia cair no ridículo.