Entrevista de Varandas: dez reflexões
1.
Frederico Varandas tem um problema de base que ameaça tornar-se irresolúvel: não sabe comunicar. É um problema que se vai agravando à medida que o presidente do Sporting se vê acossado de diversos lados. Após meses de silêncio, voltou a dar uma entrevista - desta vez ao jornal Record, que lhe concedeu um espaço muito generoso: quase toda a capa da edição de hoje e seis páginas interiores. Prometendo outro tanto para amanhã, quando será publicada a segunda parte deste diálogo com os jornalistas Bernardo Ribeiro, Ricardo Granada e Vítor Almeida Gonçalves.
O que direi desta entrevista? Que chega no tempo errado. Talvez fizesse sentido no início do mandato. Agora, 17 meses depois, ele equivoca-se no tom, no tema e nos propósitos. Parece quase uma entrevista de campanha eleitoral, combatendo adversários internos e ajustando contas com o passado. Como se Varandas não se tivesse apercebido que a campanha terminou a 7 de Setembro de 2018.
2.
Em síntese, trata-se de uma oportunidade perdida. Mais uma, somada a várias outras que o presidente do Sporting tem desperdiçado.
Varandas não estende pontes - cava trincheiras. Não procura apaziguar - mantém a via fracturante. Evita acender focos de ânimo - prefere a lamúria e o miserabilismo. Já esquecido de que, ao tomar posse, prometeu títulos. Já esquecido de que há seis meses garantiu estar «chateado mas não preocupado».
Tropeça nas próprias palavras, transmitindo a imagem de alguém que tenta aparentar segurança enquanto caminha com rota errática, em busca de um fio condutor que ninguém descortina.
3.
É uma entrevista em que o líder leonino não hesita em depreciar dirigentes, técnicos e jogadores. Abre uma excepção para Hugo Viana, seu braço direito para a gestão do futebol - alguém que já não devia estar em funções pois falhou em toda a linha na preparação desta catastrófica temporada 2019/2020, que promete ser a pior de sempre. Como é possível segurar quem não merece enquanto vai sacrificando quase todos em seu redor? Basta recordar que já teve cinco técnicos a trabalhar na equipa principal. E que no onze leonino que defrontou o Braga, na passada segunda-feira, só subsistiam três titulares da vitoriosa final da Taça de Portugal 2019.
4.
A última coisa de que o Sporting precisa é de Calimeros. Lamentavelmente, Varandas comporta-se como o Calimero-Mor nestas declarações transcritas pelo Record. Lamenta-se da herança que recebeu, alerta vezes sem conta para o panorama calamitoso das finanças leoninas (matéria que ignorou durante a campanha eleitoral) e mostra-se incapaz de acender um farol de esperança que possa iluminar a massa adepta.
Um exemplo: reconhece que foi impossível contratar Malinovsky, Robertone e Dabbur por falta de verba. Mas teve interesse em adquirir Galeno, que Pinto da Costa não queria no Dragão. «Questionei-o por SMS mas nunca obtive resposta», revela. Quis resolver o assunto por mensagem em vez de ligar ao homólogo do FCP, o que é uma confissão de inépcia. O jogador acabou no Braga.
É uma entrevista deprimente, própria de um médico que se confina ao diagnóstico sem prescrever a terapia. Ignorando que um clube em quebra psicológica é muito mais propenso a somar derrotas em campo.
5.
Boa parte é preenchida com a novela Bruno Fernandes. Com o presidente do Conselho Directivo e da Sociedade Anónima Desportiva a enrolar-se em contradições. Começa por declarar, em jeito de mea culpa, que «o momento de Bruno Fernandes ser vendido era no mercado de Verão». Reconhecendo que nessa altura recusou uma oferta [do Tottenham] de 45 milhões de euros fixos, mais 20 milhões por objectivos: «Olhando para trás, de forma fria, [isso] hipotecou muito a época de futebol deste ano.»
Dúvidas dissipadas? Não. Mais adiante, exprime raciocínio inverso: «Com a venda em Janeiro, por 63 milhões praticamente certos, ficou demonstrado que fizemos bem em resistir e não ter aceitado a proposta do Tottenham.» Ninguém entende.
6.
Outra flagrante contradição: adianta que se viu forçado a vender Bas Dost praticamente a preço de saldo - por cerca de metade do valor de mercado do artilheiro holandês - devido a prementes necessidades de tesouraria a meio do ano. Mas como explicar então as contratações de jogadores que têm alternado o banco com a bancada ou se revelaram autênticos fiascos mesmo quando actuam de verde e branco? Casos de um Rosier (5,3 milhões de euros mais a cedência do passe de Mama Baldé), um Tiago Ilori (2,4 milhões de euros por apenas 60% do passe) ou um Idrissa Doumbia (4,3 milhões de euros).
Isto já para não falar nas anedóticas aquisições por empréstimo de Jesé e Fernando. No caso deste último, aliás já devolvido à procedência, Varandas reconhece que «foi uma contratação falhada», mas matiza: «A operação no total custou 600 mil euros, em salários». Seiscentos mil euros volatilizados num clube tão carente de recursos financeiros e que, diz agora o presidente, chegou a correr «risco de falência».
7.
Uma entrevista deste género, nas circunstâncias em que o Sporting está, devia ser uma oportunidade para apontar um rumo e limar arestas internas. Varandas faz ao contrário. Não reserva um elogio à Comissão de Gestão do Sporting, que pegou no clube em circunstâncias tão difíceis, é incapaz de expressar uma palavra de apreço por Torres Pereira ou Sousa Cintra, omite qualquer referência a José Peseiro, alude a Marcel Keizer (treinador escolhido por ele) com gélida indiferença, menciona Leonel Pontes sem um átomo de consideração e praticamente deixar antever que se prepara para deixar cair Silas (outro treinador escolhido por ele).
8.
Pior ainda: critica os jogadores da formação. Parecendo invejar Bruno de Carvalho, que ao assumir funções tinha um manancial de talentos oriundos da cantera de Alcochete (Rui Patrício, Adrien, William, Cédric, Esgaio, Eric Dier, Rúben Semedo, João Mário e Bruma), dispara: «Dos 18 aos 23 anos, que jogador tenho eu preparado para ajudar a equipa? Um? Max?»
Sim, Max. Sobre quem Varandas, totalmente fora de propósito, declara: «Não sei se vai continuar a ser titular ou não.» Mas também Matheus Pereira, que a administração da SAD irresponsavelmente despachou para Inglaterra com uma cláusula de opção de 10 milhões que não deixará de ser accionada. «É um negócio bom para a realidade do Sporting», diz Varandas. Só ele parece pensar assim, olhando para o rendimento desportivo do jogador no Championship: cinco golos e dez assistências.
Mas também Francisco Geraldes, Ivanildo e Gelson Dala, que têm andado de empréstimo em empréstimo sem oportunidade de provarem o que valem no Sporting. Mama Baldé foi atirado fora, no negócio da vinda de Rosier. Pedro Mendes, melhor marcador da Liga Revelação, ficou por inscrever nas competições internas da equipa A em tempo útil. E Domingos Duarte, um dos melhores defesas formados em Alcochete, vendido ao Granada por 3 milhões de euros - quase de borla.
Assim tem cuidado o Sporting da sua formação na era Varandas. Ele queixa-se de quê?
9.
Falando ainda em legados: o presidente do Sporting esquece que ele próprio herdou um sobredotado como Bruno Fernandes que, não trazendo a marca da nossa Academia, se revelou mais valioso do que qualquer outro profissional leonino antes dele - incluindo Cristiano Ronaldo, Quaresma e Nani.
Cada qual deve administrar da melhor maneira as heranças que recebe, de nada adiantando lançar anátemas sobre o que ficou para trás. Mas teria ficado bem a Varandas uma palavra de agradecimento a Sousa Cintra por haver resgatado o jogador num momento muito difícil da história do clube. Não o faz. Além disso, atira-se sem qualquer propósito a José Eduardo Bettencourt, invocando águas passadas, quando declara: «É sempre uma falha quando um capitão sai com o rótulo de maçã podre».
10.
É uma entrevista que deixa demasiadas questões em aberto. Acuña talvez renove, mas a incógnita subsiste. Adrien talvez regresse ou talvez não. Silas pode sair só em Junho, pois «a época do futebol falhou», mas ninguém se admire que seja afastado antes. Talvez haja uma proposta de um novo nome para o Estádio José Alvalade, mas se calhar nada irá por diante. «Vamos ver se conseguimos materializar isso numa coisa boa para o Sporting»: palavra de Varandas. Puro jargão presidencial.
De positivo, retive apenas que a equipa B será recuperada (mas falta saber em que circunstâncias) e Palhinha regressará do longo empréstimo ao Braga. Pouco, muito pouco, quase nada.
Concluindo: é uma entrevista que desvaloriza a "marca" Sporting, isola Varandas no seu labirinto e deprime ainda mais os adeptos. Não havia necessidade.