Em calhando...
Lembro-me bem, Filipe: vinha eu ontem de Alvalade a digerir o melão do empate com o Moreirense enquanto pelo relato da telefonia escutava os comentadores de serviço a tecer rasgados elogios à equipa azul e branca, que já falhara várias ocasiões de golo, na exacta medida em que depreciavam a postura constrangida do Benfica, esmagados que estavam com a autoridade dos donos da casa. Até que o Lima marcou o primeiro golo, julgo que pouco depois da meia hora de jogo. “Olha-me a sorte dos lampiões… calhou!” Foi o que eu pensei. Confesso que não vi o resto do jogo, que esta coisa de um pai de família quando chega a casa tem outras prioridades e contrapartidas a prestar, principalmente quando passou a tarde de Domingo precisamente na bola.
Vem isto a propósito do estranho e súbito veredicto repetido mil vezes pelas sumidades da bola que enxameiam os canais por cabo e os jornais da especialidade ou nem por isso, que a malta consome na ânsia de prolongar o gozo da vitória ou encontrar bodes expiatórios que amenizem a depressão da derrota: a vitória do Carnide reflectia afinal uma exibição brilhante e uma extraordinária estratégia por parte de Jorge Jesus
Ora acontece que, tão certo quanto Jorge Jesus ser um bom treinador, os resultados do futebol dependem em grande medida do factor “calhar”, que os portugueses tão bem exprimem com o “em calhando”. Acontece que "em calhando" uma ou duas bolas na trave, um montículo de relva que desvia a bola, podem custar três pontos. Não, não é só do campo inclinado pelo árbitro vendido, da capacidade de liderança do treinador, da qualidade táctica e técnica de um mais ou menos harmonioso conjunto de jogadores que depende um resultado da bola. Em calhando num dia mau ou num dia feliz, perde-se ou ganha-se um jogo, essa é que é essa! Com a regra do “em calhando” perdem-se campeonatos e despedem-se treinadores. A regra do "em calhando" é preponderante e obviamente não é a única com influência no resultado, mas é precisamente essa que dá magia ao futebol: o Benfica ontem jogou pouco, mas calhou ganhar - ficaram felizes os lampiões, não há quem os ature. E a segunda parte do Sporting seria suficiente para a vitória... mas não calhou. De resto, caro Filipe, se não sabes ficas a saber que esta regra é verdade cientifica, excepto com os chatos dos alemães.