De disparate em disparate
Foto: Tiago Petinga / Lusa
Para não variar, a directora-geral da Saúde voltou ontem a fazer uma declaração inaceitável. Em que, uma vez mais, menospreza e subalterniza o desporto. Como se uma sociedade em que a prática desportiva organizada, promovida por agremiações clubísticas, não fosse parte iniludível da saúde, tanto na componente individual como colectiva.
A mesma responsável que autorizou viagens aéreas em voos lotados, o regresso dos concertos, das sessões de cinema, dos espectáculos teatrais, dos circos e das touradas, a mesma alta funcionária governamental que deu luz verde às manifestações e concentrações de rua promovidas por forças partidárias, movimentos cívicos ou grupos espontâneos de cidadãos, a mesma senhora que permitiu eventos tão diversos como a Festa do Avante no Seixal ou a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portimão continua a vetar o regresso do público aos recintos desportivos.
Com argumentos sem pés nem cabeça, confundindo aquilo que não deve ser confundido e até fazendo alusões demagógicas ao início do ano escolar, como se isso tivesse alguma coisa a ver com o futebol.
«Público nos estádios e reabertura das discotecas não será certamente nos próximos tempos. Temos de ver esta grande experiência que é o retorno às aulas e qual será o seu impacto nos números», afirmou ontem Graça Freitas. Equiparando assim as bancadas de um estádio - onde os lugares estão marcados, é muito fácil estabelecer limite máximo de entradas e o espectáculo decorre ao ar livre - ao interior de uma discoteca, onde o espaço é fechado, as pessoas estão sempre em trânsito e não há possibilidade de assegurar distanciamento físico.
Pior: ao englobar na mesma frase bancadas de estádios e discotecas nocturnas, Graça Freitas confirma ter absurdos preconceitos contra o futebol e não fazer a menor ideia sobre a importância do desporto no "desconfinamento" cada vez mais urgente da sociedade. Como há uma semana aqui assinalei, futebol sem público é futebol moribundo a curto prazo. Porque os clubes vivem de receitas - e as receitas de lugares nas bancadas, associadas à compra de adereços desportivos em complemento aos espectáculos, é fundamental para a sobrevivência de todas as agremiações desportivas que põem centenas de milhares de portugueses a fazer exercício físico. Porque uma sociedade onde não se pratica desporto é uma sociedade doente.
Não compreender isto é nada compreender de essencial. Noutras circunstâncias, eu aconselharia Graça Freitas a aconselhar-se com o secretário de Estado do Desporto. Mas não o faço porque João Paulo Rebelo já demonstrou ser tão insensível e tão ignorante na matéria como ela. Só isso explica que, numa recente entrevista, este governante tenha desvalorizado o facto de largos milhares de jovens continuarem impedidos de treinar ou competir sem restrições, dando-se até ao luxo de fazer uma graçola com a brutal quebra de receitas das agremiações desportivas: «Não temos conhecimento de nenhum clube que tenha fechado portas.»
Seria simplesmente ridículo se não fosse grave.
Uma directora-geral que mete estádios e discotecas no mesmo saco, um secretário de Estado totalmente alheado do dramático quotidiano do sector confiado à sua tutela: assim vamos, seis meses após a declaração da pandemia. De improviso em improviso, de disparate em disparate.