Cerco leonino furou duas vezes a muralha
Sporting, 2 - Casa Pia, 0
Daniel Bragança acaba de marcar o primeiro golo, felicitado por Gonçalo Inácio: terceiro jogo a facturar
Foto: Rodrigo Antunes / Lusa
Foi um jogo irritante. Terá sido monótono e chato para quem não é do Sporting. Para os adeptos leoninos, teve momentos quase exasperantes. Devido à estratégia hiper-defensiva do Casa Pia, que entrou em Alvalade, no Dia da República, com a obsessão de fechar todas as rotas para a sua baliza, num 6-3-1 que restringia toda a manobra da equipa a metade do seu meio-campo.
Havia um bom motivo para isso: os gansos queriam evitar a todo o custo a repetição da humilhante goleada sofrida no mesmo cenário, há pouco mais de oito meses. Quando tentaram subir linhas, discutir o jogo com argumentos que lhes faltavam e encarar o Sporting apenas como mais um adversário. Ora todos sabemos que isso é impossível. Daí terem saído de nossa casa com essa pesadíssima derrota: oito golos sem resposta.
Compreende-se, pois, que tenham mudado a agulha. É irritante, mata o espectáculo, chega a ser um atentado ao futebol, mas é um recurso ao alcance das equipas que sabem ser muito fracas. Não deve confundir-se com antijogo.
Precisámos, portanto, de muita paciência para furar aquela muralha de pernas.
Felizmente paciência não vai faltando nas bancadas de Alvalade, onde há muito deixaram de se ouvir assobios à própria equipa - ao contrário, por exemplo, do que aconteceu na mesma jornada no estádio do Dragão, onde um periclitante FC Porto venceu à tangente o Braga e nos últimos 20 minutos chegou a imitar o Casa Pia, formando em duplo quadrado à frente das suas redes para evitar o empate quase em desespero.
A única verdadeira incógnita, neste Sporting-Casa Pia, mantinha-se em torno do minuto exacto em que a conseguiríamos lá meter.
Aconteceu um pouco mais tarde do que é costume, mas ainda no primeiro tempo. Resultando de uma jogada de génio desenhada e executada por Francisco Trincão, que se intrometeu na área casapiana, driblou três defesas, foi à linha de fundo e serviu de bandeja para Daniel Bragança emendar.
Era o minuto 39, houve justificada explosão de alegria em Alvalade.
Ao intervalo, números impensáveis: 85% de posse de bola para a nossa equipa, que jogou de equipamento rosa como alerta urgente para a detecção e combate do cancro da mama, que todos os anos mata mais de duas mil mulheres em Portugal. Causa meritória, tal como a decisão da SAD de destinar 25% da receita de bilheteira desta partida à Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Harder não rendia como interior esquerdo, Rúben Amorim trocou-o ao intervalo por Morita, todo-o-terreno com ordem para manobrar nesse espaço, municiando Gyökeres e tentando ele próprio o golo - o que esteve quase a acontecer.
Espantosamente, mesmo a perder, o Casa Pia mantinha incólume o 6-3-1, com Cassiano perdido algures junto à linha do meio-campo, contemplando o jogo à distância. Precisávamos com urgência de outro saca-rolhas: ele apareceu aos 68', quando Gyökeres pegou nela e serpenteou metros adiante até ser derrubado em falta, já dentro da grande área. Penálti evidente, logo assinalado pelo árbitro Miguel Nogueira (boa actuação) e validado pelo VAR.
Viktor, que andava há dois jogos em jejum de golos, não desperdiçou a oportunidade. Rematou com força na linha dos 11 metros, encaminhando-a para o fundo das redes. Nesse minuto 70 até o mais incrédulo adquiriu certezas: a vitória já não nos fugia.
E assim foi. Atingia-se outra marca digna de registo: estamos há um ano sem perder em casa, a última derrota ocorreu a 5 de Outubro de 2023, por 1-2, frente à Atalanta. Não sofremos golos há seis desafios da Liga - melhores números desde 2014. E estamos há 50 jogos a marcar - é a melhor sequência do Sporting no campeonato nacional de futebol desde 1938.
Os jogadores chegaram ao fim exaustos, mas com a certeza do dever cumprido: 81% de posse de bola, outro máximo superado. Cada vez mais primeiros, com a melhor defesa e o melhor ataque e o maior goleador em oito jornadas.
Faltam 26 para que o sonho máximo se torne realidade: a conquista do bicampeonato que nos foge há mais de sete décadas.
Breve análise dos jogadores:
Israel (7) - Defesa providencial logo no segundo minuto de jogo. Outra, confirmando excelentes reflexos, aos 63'. Quinto jogo seguido sem sofrer golos.
Eduardo Quaresma (5) - Jogou condicionado, o que ficou evidente, apesar da sua esforçada prestação como central à direita. Saiu aos 68', com queixas físicas.
Debast (6) - Ainda não conseguiu fazer esquecer Coates, mas vai tentando. Levou a melhor nos duelos com Cassiano. É ele a iniciar lance do primeiro golo.
Gonçalo Inácio (4) - Excesso de passes falhados no primeiro tempo. Exibição apagada para o nível a que já nos habitou. Longe da sua melhor forma.
Geny (5) - Regressou à ala direita, a mais dinâmica neste jogo. Lutou sempre muito, mas faltou-lhe acerto no último remate.
Morten (6) - Manteve solidez na "casa das máquinas" num desafio em que foi pouco solicitado. Chegou e sobrou no vértice mais recuado do meio-campo.
Daniel Bragança (7) - Já não é só pensador do jogo: também executa bem. Desbloqueou nó casapiano com golo aos 39': e vão três, noutros tantos desafios seguidos.
Maxi Araújo (4) - Ainda lhe falta afinar rotinas com os colegas. Muito fácil de neutralizar, não criou uma oportunidade a partir da ala esquerda.
Trincão (8) - Melhor em campo. Num genial movimento de ruptura, inventou o golo que Daniel consumaria. Aos 66', num tiro de meia-distância, fez a bola roçar a trave.
Harder (4) - Com Pedro Gonçalves ainda lesionado, foi ele o interior esquerdo. Não resultou: foi nula a sua acção entre linhas. Saiu ao intervalo.
Gyökeres (6) - Até estranhamos quando só marca um golo. Aconteceu aos 70', de penálti - conquistado por ele próprio. Tentou bisar, sem conseguir.
Morita (7) - Fez toda a segunda parte, rendendo Harder. Com enorme vantagem para a equipa. Parece estar em todo o lado. Falhou golo por muito pouco (55').
Nuno Santos (5) - Substituiu Maxi Araújo aos 64'. Entrou com muita vontade de fazer a diferença, sem realmente o conseguir.
Fresneda (4) - Entrou aos 68', substituindo Gonçalo Inácio. Como central adaptado à direita, parece peixe fora de água. Tarda em mostrar serviço.
Quenda (5) - Entrou aos 68', saindo Geny. Melhor a atacar (grande centro para Trincão, 74') do que a defender (deixou passar Nuno Moreira, 85').
Esgaio (4) - Eterno polivalente, agora o único trincão do plantel. Rendeu Quaresma aos 76', mas como central à esquerda. Mal se deu por ele.