Cartão de adepto: crónica de um exercício néscio
O início desta época ficou marcado pelo surgimento do que tem sido conhecido como o cartão do adepto. A surpresa foi generalizada (poucos eram os que sabiam algo sobre este novo instrumento), embora as suas origens legislativas em Portugal remontem à Lei n.º 113/2019, de 11 de Setembro e à sua regulamentação através da Portaria 159/2020, de 26 de Junho, esta última assinada pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo.
Na Portaria afirma-se que a criação do cartão de adepto visa promover a segurança, o combate ao racismo e à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos. Na Lei, refere-se que «As zonas com condições especiais de acesso e permanência de adeptos devem ter entrada exclusiva, não permitindo fisicamente a passagem dos espetadores para outras zonas e setores, e garantir o acesso a instalações sanitárias e serviços de bar» (artigo 16.º-A, n.º 4), ou seja, o que se visa é a total guetização daqueles que utilizarem as zonas destinadas aos titulares de cartões de adepto.
Embora se afirme que o objectivo passa por promover a segurança, o combate ao racismo e à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, só os mais distraídos podem ter alguma dúvida de que o cartão de adepto é uma tentativa (absolutamente absurda e ridícula) de acabar ou disciplinar as claques. No entanto, por incrível que possa parecer, ao contrário do que se deseja, o efeito da criação do cartão de adepto será exactamente o contrário, uma vez que, ao invés de se concentrarem os adeptos pertencentes a esses grupos de apoio em determinados sectores dos recintos desportivos e de sobre eles se exercer o controlo possível, estes acabarão por se concentrar noutras zonas dos estádios e pavilhões. É o que se tem verificado nos poucos jogos que tivemos nesta nova época. No nosso estádio de Alvalade, as claques, ao invés de utilizarem os sectores da bancada Sul-A, passaram a utilizar os sectores da bancada Sul-B. Do mesmo modo, os mais atentos poderão confirmar que também na bancada Norte-A existe agora um grupo organizado, também ele fora das malhas de qualquer controlo específico.
O cartão de adepto é o produto alucinado de governantes voluntaristas e totalmente incapazes de compreender as dinâmicas próprias, não apenas do desporto, mas da sociedade em geral. Em Portugal, a generalidade dos adeptos está totalmente contra a existência deste cartão (o número de cartões emitidos é absolutamente residual), pese embora a insistência absurda do Secretário de Estado e a conduta aquiescente do Presidente da Liga.
Por último, infelizmente, do Sporting não conheço qualquer posição sobre o cartão, pese embora o facto de ter reservado largos milhares de lugares para o efeito. No mínimo, a equipa directiva deveria informar os sócios se quer estar ao lado dos adeptos, ou das regras totalmente absurdas que apenas contribuirão para a continuação da destruição do futebol.