Benfica: a nódoa já não sai
Não há volta a dar. O Benfica está desde ontem a sofrer danos reputacionais incalculáveis. Não apenas em Portugal, o que é o menos, mas em todo o universo do futebol onde já o equiparam ao Marselha, ao Milão e à Juventus, para sempre manchados por ilícitos face à lei civil e à ética desportiva. Com inevitáveis reflexos nas marcas patrocinadoras do clube, que só podem detestar esta má fama.
Nada que surpreenda. A gestão de Luís Filipe Vieira durante duas décadas à frente da agremiação com sede na freguesia de São Domingos de Benfica funcionou como réplica do consulado de Pinto da Costa, lá no eixo Antas-Campanhã. Por algum motivo conviveram durante largos anos e trocavam confidências de todo o género - incluindo em matérias extra-desportivas. Por algum motivo Vieira chegou a ser sócio do FC Porto. Por algum motivo há ainda quem se lembre dele a "transportar a pasta" do outro quando não passava dum zé-ninguém.
Arguido nos processos Operação Lex e Saco Azul, o ex-homem forte do SLB é agora formalmente acusado pelo Ministério Público dos crimes de corrupção activa, participação em negócio ilícito e fraude fiscal qualificada no âmbito do Caso E-Mail, que andava sob investigação desde 2019. Ele e o seu fiel escudeiro Paulo Gonçalves, que já havia sido condenado, por corrupção activa, no Caso E-Toupeira.
São escândalos a mais, é podridão em excesso. De tal maneira que foi constituída uma equipa no DCIAP só para investigar estes processos.
Valia tudo para disputar a hegemonia do futebol com o FCP, recorrendo aos expedientes mais manhosos, sob o lema "os fins justificam os meios". Este agora é o caso com maior gravidade do futebol português depois do Apito Dourado - a página mais negra de que há memória em Portugal ligada à corrupção desportiva.
Sustenta o Ministério Público que durante três anos, de 2016 a 2019, Vieira - enquanto presidente do clube encarnado e da SAD benfiquista - financiou indevidamente o Vitória de Setúbal, à época transformado em emblema-satélite do SLB, com várias transacções fictícias de jogadores que lesaram a verdade desportiva e adulteraram a equidade das competições, além do rombo causado ao fisco. Cumpre recordar que o emblema sadino, embora já tomado por um bando de piratas, ainda disputava a Liga 1. Em obsceno concubinato com a turma encarnada.
Isto «poderia materializar-se na obtenção de resultados favoráveis às pretensões desportivas» do Benfica, designadamente quando o Vitória «disputasse jogos com os seus rivais diretos, altura em que poderia ter a disponibilidade de promover, caso se proporcionasse, um desfecho em concordância com aquele interesse».
A nódoa já não sai.
Importa pouco ao clube de Setúbal, agora relegado para a II Divisão Distrital: caso para dizer que bateu no fundo. Mas importa muito ao Benfica, confrontado com «a acusação mais grave», no plano judicial, de toda a sua história.
Vai seguir-se o debate instrutório, havendo um prazo de 20 dias para ser iniciado.
Mas aquilo que mais nos interessa a partir de agora, enquanto sportinguistas, é a actuação da justiça desportiva neste caso. Com abertura imediata de um inquérito disciplinar - incomode quem incomodar, tenha as consequências que tiver. Incluindo, se for caso disso, a suspensão do Benfica, pelo prazo que a lei e os regulamentos indicarem, de todas as provas de fuebol profissional em que a equipa encarnada está inscrita.
Já não poderá ser revertido o campeonato de 2016, entretanto homologado. Mas nós, que nos consideramos lesados, devemos pugnar por uma indemnização correspondente à dimensão do dano sofrido.
É um combate em nome de valores que Vieira e os seus capangas ignoram por completo. Até por isso se torna mais imperioso e mais inadiável.
ADENDA: Notícias na Marca, no As, no Mundo Deportivo, no La Razón, no Le Figaro, no Le Soir, no Ouest-France, no La Repubblica, na Gazzetta dello Sport, no De Telegraaf, na Vox (Albânia), na Gazeta Esportiva, no diário O Globo. Algumas entre tantas outras.