Atravessar etapas de uma crise
«ATRAVESSAR ETAPAS DE UMA CRISE não é necessariamente mau: permite-nos um olhar a que ainda não havíamos chegado, permite-nos escutar não apenas a vida aparente, mas também a insatisfação, a sede da verdade e de sentido, e apenas a assumir uma condição mais ativa.
Talvez precisemos de descobrir que, no decurso do nosso caminho, os grandes ciclos de interrogação, a intensificação da procura, os tempos de impasse, as experiências de crise podem representar verdadeiras oportunidades. Quando mais conscientes dos nossos entraves, limites e contradições, mas também das nossas forças e capacidades, tanto mais poderemos investir criativamente no sentido da nossa identidade. Isso implica uma mudança de ponto de vista sobre nós próprios e o mundo, e advém daí naturalmente uma instabilidade face a modelos que tínhamos por adquiridos.
Os partos indolores são uma mistificação. Quem tem de nascer prepare-se para esbracejar. Há um momento em que aprendemos que vale mais prestar atenção àquilo que em nós está a germinar, num lento e invisível (e inaudível) processo de gestação, do que àquilo que perdemos.»
In.: MENDONÇA, José Tolentino, O pequeno caminho das grandes questões. Lisboa : Quetzal, 2017. p 151