A ver o Mundial (12)
O escândalo podia ter sido pior: a derrota contra os Estados Unidos esteve iminente até ao último lance do encontro, disputado em Manaus. Varela, a passe de Cristiano Ronaldo, empatou o jogo quando já quase nenhum português acreditava nisso. Foi pena: a nossa melhor jogada surgiu no fim.
A selecção jogou melhor do que na partida inaugural, contra a Alemanha. Mas esteve a um abismo de distância das excelentes exibições do Euro-2012, em que chegámos às meias-finais. Com quase um terço da equipa lesionada e opções questionáveis de Paulo Bento, que teima em não ver o óbvio: é insuficiente mudar jogadores quando o mais importante é alterar o sistema táctico. Hoje voltou a existir um enorme fosso entre os centrais e o meio-campo, grave lacuna apenas solucionada no segundo tempo, com a entrada de William Carvalho, que fez estreitar as linhas. E Cristiano Ronaldo acabou o jogo como ponta-de-lança, o que permite questionar se não deveria ter actuado nessa posição desde o início, servido por dois extremos eficazes como são Varela e Nani.
Os equívocos começaram novamente com a constituição do onze titular. O seleccionador, surdo aos bons conselhos que lhe foram chegando desde a derrocada contra a Alemanha, fez entrar em campo André Almeida, que abriu um corredor para as cavalgadas norte-americanas durante toda a primeira parte, e Postiga, que nem deveria ter feito parte dos 23 seleccionados para o Campeonato do Mundo. Na anterior partida, Hugo Almeida durou 27 minutos em campo. Postiga bateu o recorde ao ficar incapacitado quando estavam decorridos apenas 13 minutos. Outra lesão muscular a afectar um jogador português: e vão cinco. Ou melhor: vão seis porque André Almeida já jogou em esforço nos últimos 20 minutos do primeiro tempo, sendo substituído ao intervalo também por incapacidade física.
Tivemos uma vantagem: aos cinco minutos já estávamos a vencer, com um golo de Nani aproveitando uma cratera aberta à sua frente, no lado esquerdo da defesa norte-americana. Mas não soubemos aproveitá-la: depois do golo, a equipa recuou, inexplicavelmente atemorizada, e chegou a ter momentos de pânico que poderiam ter sido mais bem explorados pelos norte-americanos. O nosso corredor esquerdo era uma auto-estrada para os EUA, forçando Moutinho e Meireles a deslocar-se para essa ala como prontos-socorros do baralhado André Almeida. Nunca Fábio Coentrão (outro membro da legião dos lesionados) fez tanta falta à selecção.
Paulo Bento mexeu finalmente na equipa ao intervalo, fazendo entrar William Carvalho para médio defensivo, com evidentes melhorias no nosso meio-campo, e transferindo Miguel Veloso para a lateral esquerda, como recurso de emergência e resultados incertos. Ficou provado que a "polivalência" - tão elogiada por alguns inefáveis comentadores da bola - tem limites mais que óbvios.
À frente, Cristiano Ronaldo era apanhado sucessivas vezes nas malhas do fora-de-jogo. E Éder, avançado que nunca marcou um golo pela selecção, pecava por evidente imaturidade, sendo presa fácil para a defesa americana. Faltava outra mexida, que só pecou por tardia: a entrada de Varela, que veio dinamizar muito a nossa frente de ataque. É indispensável que actue como titular no jogo contra o Gana, em que precisamos de marcar muitos golos.
Rezando para que não ocorram mais lesões. À espera de um milagre que nos qualifique in extremis para os oitavos-de-final. E sem termos desta vez a Senhora de Caravaggio a puxar por nós.
Portugal, 2 - Estados Unidos, 2
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Os jogadores portugueses, um a um:
Beto - Rendeu Rui Patrício, outro dos lesionados. Esteve seguro, atento. Pareceu sempre mais confiante do que o guarda-redes do Sporting frente à Alemanha. Pena ter confiado no golpe de vista, que o traiu, no primeiro golo norte-americano.
João Pereira - Irregular. Esperava-se mais dele neste Mundial depois de ter feito uma excelente exibição no Euro-2012. Subiu mais na sua ala durante o segundo tempo, com proveito para Portugal, mas foi apanhado várias vezes em contrapé, incluindo no lance que originou o segundo golo dos EUA.
Bruno Alves - Não treinou durante a semana e esteve em dúvida até quase ao início do jogo. Mas não pareceu afectado pela lesão muscular. Foi um dos mais inconformados. No quarto de hora final jogou quase a ponta de lança, tentando o golo. De qualquer modo, está longe da sua melhor forma.
Ricardo Costa - Incomparavelmente melhor que Pepe. Se o central do Real Madrid havia sido o pior dos portugueses contra a Alemanha, o seu substituto foi um dos melhores neste duro embate com os EUA. Salvou as nossas redes aos 55', desviando a bola com Beto ausente da baliza.
André Almeida - Participou no início da jogada que originou o nosso primeiro golo. Depois desapareceu da partida, por inferioridade física, proporcionando via aberta às investidas alemãs. Paulo Bento tardou a substituí-lo: devia ter saído ainda na primeira parte.
Miguel Veloso - Demasiado lento, acusou o calor e a humidade de Manaus. E acusou sobretudo o longo período de inactividade a que foi sujeito pela paragem do campeonato ucraniano. Andou a tapar buracos na ala esquerda até Paulo Bento se convencer que o melhor era mesmo transferi-lo para esse espaço, o que só sucedeu no segundo tempo. A equipa melhorou nesse sector mas Veloso deixou-se bater várias vezes em velocidade.
Raul Meireles - Continua muito longe da melhor forma física. Recuperou menos bolas e falhou mais passes do que é costume. No primeiro tempo foi alvo de uma agressão de Jones, que devia ter sido sancionado pelo menos com um cartão amarelo. Saiu aos 68', visivelmente esgotado.
João Moutinho - Melhor do que no desafio com os alemães, mas muito distante daquele jogador que chegou a deslumbrar nos relvados portugueses. Está triste e desmoralizado desde que se transferiu para o Mónaco, tendo sido considerado um dos flops do campeonato francês. A sua má forma foi um dos factores do mau rendimento global da selecção.
Nani - Marcou aos 5'. Podia ter marcado novamente, aos 44', quando rematou ao poste. Aos 80' saiu dos pés dele outro forte remate, que passou um pouco acima da barra norte-americana. Foi sempre um dos mais inconformados. Parece em boa condição física, pormenor que merece ser sublinhado no actual contexto.
Cristiano Ronaldo - Arrisca-se a passar ao lado do Mundial - ao contrário de Messi, que já marcou dois golos e foi elemento fundamental para as vitórias da Argentina. Por vezes parece querer fazer tudo sozinho. Foi apanhado inúmeras vezes em situações de fora de jogo e nem nas bolas paradas as coisas lhe saíram bem. Redimiu-se no último lance, ao fazer um cruzamento perfeito para o golo de Varela que empatou o desafio.
Helder Postiga - Impõe-se a pergunta: o que foi fazer ao Brasil? Como agora se confirma, não reunia condições físicas mínimas para alinhar pela selecção. Paulo Bento mandou-o equipar, como titular. Durou 13 minutos em campo - e saiu. Ninguém da equipa técnica se tinha apercebido do seu estado?
Éder - Substituiu Postiga e voltou a ficar em branco. Um avançado que não marca é um duvidoso cartão de visita. Falta-lhe confiança nas suas próprias capacidades. Ficou a sensação de que ainda não merecia estar ao nível a que Paulo Bento prematuramente o colocou.
William Carvalho - Foi o caso mais gritante de teimosia do seleccionador, que o manteve no banco durante todo o jogo contra a Alemanha e insistiu em não o pôr como titular neste desafio. Só a lesão de André Almeida o fez entrar em campo, jogando como médio defensivo - posição que lhe valeu elogios unânimes ao serviço do Sporting. Tem qualidade de passe, revela boa condição física e nunca perde a posição. Ajudou a tapar as linhas de passe norte-americanas, dando boa cobertura a um sector que estava desguarnecido. Merece a titularidade. Vai tê-la contra o Gana, já demasiado tarde.
Varela - Outro jogador que entrou demasiado tarde, substituindo Meireles. Costuma funcionar como talismã da selecção e voltou a cumprir a tradição. Fez alargar a nossa frente de ataque, introduzindo agressividade e dinamismo na linha ofensiva. Exibição recompensada com um excelente golo, à ponta-de-lança.