A honra perdida do senhor Godinho
Já não bastava um turbo-comunicado veiculado por um putativo porta-voz do Conselho de Arbitragem, minutos após o fim do Famalicão-Sporting, ter assegurado ao País - via agência Lusa - que o miserável desempenho do apitador Luís Godinho atingira nível de excelência.
É a primeira vez que algo semelhante ocorre: em escassos minutos, um órgão colectivo reúne, analisa, delibera e difunde a deliberação, esquecendo-se apenas de tirar a máscara ao anónimo porta-voz. Parece uma rábula do Ricardo Araújo Pereira, mas aconteceu mesmo, na noite de sábado, com a depressão Dora ainda à solta.
Na mesma linha deste corporativismo saloio, saindo em defesa do indefensável, surge agora a inefável Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol em apoio incondicional a Godinho, urrando contra «a linguagem utilizada por diversos agentes com responsabilidades acrescidas no futebol português». Num ridículo comunicado bilingue - redigido igualmente em inglês, talvez na esperança de que venha a ser alvo de análise na ONU - a APAF considera «inaceitável» a lesão da «honra e do bom-nome» de Luís Godinho (nome omitido no comunicado). Esquecendo um facto fundamental: quem insiste em ferir a honra do senhor Godinho, reiteradamente, é o próprio senhor Godinho.
E logo parte do suspiro lacrimejante de virgem ofendida para a ameaça façanhuda, revelando ter «encaminhado para o Conselho de Disciplina as declarações proferidas após os jogos do fim-de-semana e remetido queixas para outros órgãos judiciais e associativos no sentido de apurar responsabilidades».
De caminho, insulta. Qualificando de «total irresponsabilidade» o atrevimento daqueles que ousaram contestar o péssimo trabalho de Luís Godinho exercendo o direito à livre expressão garantido na Constituição da República Portuguesa. Quer impor a lei da rolha, como desabafa sem rodeios: o que se pretende é «banir, de uma vez por todas, este tipo de discursos [isto é, as críticas] no futebol em Portugal».
Rolha, portanto, mas só para os outros. Como ironizava Millôr Fernandes, «toda regra tem exceção. E se toda regra tem exceção, então, esta regra também tem exceção e deve haver, perdida por aí, uma regra absolutamente sem exceção». Perguntem à APAF.