A Coreia do Norte é aqui
Ao ver a capa do jornal A Bola de hoje recordei-em da capa de há praticamente uma semana e lembrei-me de espreitar as capas intermédias disponíveis no site do jornal. A de há uma semana seguia-se à eliminação do Benfica de todas as competições europeias e era esta:
Cá está a passagem à prática do novo spin benfiquista: o que interessa é o campeonato, que isso da Europa é coisa para equipas de segundo plano. Mas não me quero alongar em grandes considerações. Prefiro ater-me à estética: o ar sereno do presidente, naquele misto de Ataturk e cantor de charme, confrontando tranquilamente a nação benfiquista, com a taça de campeão nacional em fundo. Em suma, eis o Grande Líder, o Querido Líder perante a gesta heróica que se aproxima.
A capa de hoje:
De novo o Querido Líder, com o mesmo ar de Ataturk/Tony de Matos, sempre sereno, sentado num sofisticado maple de couro, que pode também ser interpretado como um trono, anunciando a a nova gesta: as "origens", a "formação", a "fábrica do Benfica". Traduza-se: a falência da política da contratação de jogadores de luxo, precisamente depois dos sucessivos fracassos europeus e a necessidade de voltar à prata da casa...
Entre uma e a outra capas:
Sábado, véspera de um jogo cheio de tradição, o Sporting-Setúbal, eis que continua o spin da aposta nacional do Benfica, relegando até para chamada pequena o extraordinário lapso de Jesus sobre a continuidade nas competições europeias.
Domingo: pronto, está feita a quota sportinguista, mas também tinha de ser depois do jogo da véspera. Mesmo assim, note-se a chamada para os dois toques na bola de William - pormenor a reter quando virmos a capa seguinte.
Continua o spin sobre a notável dimensão nacional do Benfica: "feliz regresso a casa". Em destaque, Luisão. Alguma chamada para o facto de Luisão ter marcado um golo em fora-de-jogo, tal como era feito com os dois toques de William no dia anterior? Nada. O Benfica impôs-se "com facilidade" e destaca-se também a "carga policial sobre os adeptos do Benfica".
Na 3ª feira continua a glorificação do Benfica doméstico, meros dias depois da eliminação europeia. Repare-se como esse evento importantíssimo na história do clube não gera a mínima problematização, a mínima discussão, nem sequer tendo em conta as fortunas gastas nos anos anteriores, até para ir à final da Champions na Luz. Problemas só mesmo com William Carvalho, como se vê na parte de cima da capa:
Na 4ª feira, o comic relief:
Portanto, é para isto que o Sporting aparece na capa do jornal. Mesmo assim, ainda há um destaque comparando Luisão ao mítico Humberto Coelho enquanto "centrais-goleadores". Alguma nota sobre o fora-de-jogo de Coimbra? Nããã...
Cá temos, portanto, uma semana praticamente tirada da Vida Soviética, aquela publicação enaltecendo os feitos da URSS que antigamente se publicava, ou o Diário da Manhã do Portugal do Estado Novo, país onde reinava a felicidade. No fim do ano dará certamente para fazer um livrinho a servir de anexo à "Ideia Juche" do Grande Líder Kim Il-Sung.