A anomalia da normalidade*
Bem sei que é suposto escrever esta crónica recorrendo integralmente à minha própria criatividade – isto apesar de a contrapartida, por tanto esforço periódico dos neurónios, resumir-se a uma simpática mensagem do meu editor recordando o prazo da crónica seguinte – mas, desta vez, foi irresistível o apelo. Tenho mesmo que reproduzir na íntegra este desabafo do Leonardo Ralha, jornalista do Correio da Manhã e também um dos autores do blogue colectivo de idiossincráticos sportinguistas, 'És a Nossa Fé' (o endereço é www.sporting.blogs.sapo.pt, para quem quiser aumentar-nos as audiências com a sua visita). Escreve assim o Leonardo: “Além dos dois pontos recuperados ao FC Porto e Benfica, tal como os três pontos ao Sporting de Braga, o Olhanense-Sporting deste domingo teve a maravilhosa qualidade de nos permitir regressar à normalidade. Aquela normalidade em que visitamos uma equipa ao nosso alcance e saímos de lá com três pontos. Aquela normalidade em que os médios leoninos ganham posse de bola em posição frontal, rematam forte e colocado e fazem golo. Aquela normalidade em que não acabamos o jogo com dez em campo. Gosto muito de normalidade e quero mais”. Com o parágrafo do Leonardo fica sintetizada da melhor forma a sensação que colectivamente nos revisitou estas últimas semanas; Nada de euforias de vitória, nem delírios megalomaníacos de supremacia, népia de disparos de adrenalina para o ar à cowboy. Apenas, isso sim, uma semi-perplexa consciência de felicidade. Felicidade por voltarmos a sentir emoções que já tínhamos sentido há muito tempo, mas entretanto esquecêramos. Como se a nossa mãe tivesse desaparecido de casa durante uns meses e, quando voltasse, nos desse abraços e beijos e pensássemos: “Ah! Pois é. Era mesmo a isto que sabiam os mimos dela”...Algo assim deste calibre. Reparem que não escrevo isto para menorizar os resultados alcançados. Era o que faltava. Longe de mim. Não, não, não. Simplesmente para fazer notar que o nosso estado algo traumático, decorrente dos cataclismos e horrores sofridos nos últimos tempos, deve, quando confrontado com a novidade de um par de vitórias sobre clubes um bocado da treta, reagir de forma saudável dizendo: “Ora cá está. Voltámos ao normal. Pois muito bem. Agora é começar a ganhar os jogos a sério”. E para acabar como comecei, roubando as palavras de outros que escrevem melhor do que eu, termino com uma citação de Aldous Huxley, o autor de 'Admirável Mundo Novo: “A normalidade é tão somente uma questão de estatística”, escreveu ele. Nós não pedimos um admirável mundo novo para o nosso Sporting. Apenas que a estatística volte a ser nossa amiga e não a meretriz que se tem revelado nos últimos tempos. E que a normalidade, uma vez regressada, seja então ela própria ultrapassada pelas melhores razões.
*Texto publicado hoje no Jornal do Sporting