Os nossos ídolos (30): Joaquim Agostinho
O meu maior ídolo em toda a história do Sporting é, sem margem para quaisquer dúvidas, Joaquim Agostinho.
Educado num ambiente em que o sportinguismo era, como continua a ser, um traço distintivo, uma marca familiar sem excepções, que une pais e filhos, avós e netos, bisavôs e bisnetos, tios e sobrinhos e primos, o Sporting sempre foi para mim muito mais do que futebol. O meu pai que foi, ele próprio, nos princípios dos anos 50, campeão de atletismo, no pentatlo, incutiu-nos desde cedo, a mim e aos meus irmãos, como já o haviam incutido a ele, um amor ao Clube que sempre esteve muito para além das vicissitudes, por muito penosas que fossem, das nossas equipas de futebol.
Não é nem foi nunca agradável passar por situações como a que agora estamos a viver, mas, digo-o com toda a sinceridade, a maneira como eu sinto o Sporting não me permite descer aos abismos de desespero em que grande parte dos adeptos do clube se encontra mergulhada. O Sporting não é para mim uma mera equipa de futebol, não pode vogar ao sabor das competências ou incompetências de gestores ou vagos gestores, auto-proclamados magos da administração desportiva, dos entusiamos e amuos de investidores desapaixonados ou de obscuras engenharias financeiras. O Sporting é muito mais do que isso, é um clube, verdadeiramente um clube, de sócios e adeptos que o vêem como uma instituição perene, com raízes no passado, como algo de seu, como algo a que estão muito mais profundamente ligados do que a ligas de milhões ou a controvérsias estéreis com adversários que, muitas vezes, também não respeitam as suas origens.
Cresci, como disse, nesta atmosfera, a admirar nomes que, muitos deles, provavemente já nada dizem às gerações mais novas mas que contribuiram, de forma decisiva, para cimentar a minha paixão pelo nosso clube.Além, como é natural, de muitos ligados ao futebol, guardo na minha memória reconhecida, sem preocupações cronológicas ou ordem de importância das modalidades e lamentando o muito possível esquecimento de inúmeras figuras de proa do sportinguismo, nomes como Manuel de Oliveira, Fernando Mamede, Carlos Lopes, Júlio Fernandes, Armando Aldegalega, Pedro de Almeida, Alberto Matos, Lídia Faria, Eulália Mendes, Maria do Céu Lopes, Adília Silvério, Raposo Borges, as irmãs Conceição e Manuela Alves, os andebolistas do penta, no princípio da década de 70 do século passado, Manuel Brito, Castanheira, Manuel Marques, Bessone Basto, Mesquita e Carlos Correia, basquetebolistas como Manuel Sobreiro, desaparecido tão novo, Nelson Serra, Mário Albuquerque, Carlos Lisboa, Rui Pinheiro ou Quim Neves, os jogadores de hóquei em patins Ramalhete, Júlio Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento, voleibolistas como Miguel Maia ou, no ciclismo, gigantes como Agostinho, João Roque e Leonel Miranda.
E tantos, tantos outros poderia mencionar, e, muito mais do que eu, o poderiam fazer homens como o meu pai, que sempre me falou em nomes antigos, para ele, tão grandes ou maiores do que estes - muitos mais de todas estas modalidades do que, propriamente do futebol - atletas e dirigentes que ajudaram a erguer, a partir de um clube fundado por uns poucos, a grande instituição que hoje conhecemos. Não faltará, certamente, quem vá acusar este discurso de não constituir mais do que uma tentativa de defesa contra os tempos catastróficos que o nosso futebol atravessa. Com esses não vale a pena discutir. Temos maneiras tão diferentes de viver e sentir o clube, ou clubes, no caso de fiéis a outros emblemas, que qualquer insistência será inútil.
Dentre todas as figuras que citei, a de Joaquim Agostinho sobrepõe-se, como afirmei no início, a todas as outras. Iniciado no Sporting e no ciclismo com 25 anos, após, ao que se conta, uma observação fortuita efectuada por atleta do clube, suponho que João Roque, surpreendido num treino, para os lados de Torres Vedras, pela força e destreza de um trabalhador rural montado na sua pasteleira, Joaquim Agostinho começou, em pouco tempo, a fazer, em Portugal, o que melhor sabia: ganhar. O empolgamento dos sportinguistas, lembro-me como se fosse ontem, depressa se tornou nacional e tomou conta dos portugueses em geral, numa onda de entusiasmo culminada em 1969 na Volta a França, em que Agostinho atingiu o 8º lugar, depois de uma série de peripécias que envolveram um grande sofrimento físico e o elevaram, na esfera desportiva, ao estatuto de herói nacional.
A sua carreira, depois deste começo, é a que todos conhecemos. Aqui e além-fronteiras, a figura incomparável do nosso grande atleta encheu-nos de orgulho por anos a fio. Manteve sempre a sua humildade, uma grande ingenuidade e uma enorme capacidade de sofrimento, e nunca ninguém pôde acusá-lo de, ao serviço das equipas por que passou, não ter dado, em algum momento, o máximo da sua generosidade pessoal e qualidades profissionais.
Hoje, desculpem-me que o repita emocionado, Joaquim Agostinho continua a encher-me de orgulho e, para mim, pelo que foi e pelo que simboliza, é a maior figura desportiva de toda a história do Sporting.