O burro e o leão*
Era uma vez um burro, que andava muito feliz. Na quinta onde vivia, achava-se o rei do espaço. Cada vez que zurrava, as galinhas, os patos e os perus assustavam-se e recolhiam ao seu canto. Cada vez que aparecia, os porcos, as cabras e as ovelhas tremiam de medo. O burro pensava que era o rei dos animais...Como todos sabemos, vozes de burro não chegam ao céu, mas chegaram aos ouvidos do leão, que resolveu investigar quem era este animal que se dizia rei e que os restantes tanto pareciam temer.
E, como estava bem disposto e até tinha comido bem, resolveu ter um pequeno “tête-à-tête” com o burro. Quando este o viu, estremeceu de medo, mas achou que o leão estaria fraco para reagir. Por outro lado, estando o burro rodeado dos outros animais, subservientes e temerosos, seria de mau tom dar parte fraca e fugir. Tinha, no fundo, a coragem dos simples e dos ignorantes. Não é por nos acharmos poderosos que, de facto, somos...
O leão confrontou o burro e perguntou-lhe porque razão é que este se achava e se intitulava o rei dos animais. De onde é que vinha esta mania das grandezas? Em que é que o burro se baseava para tentar usurpar um título que, desde sempre, foi atribuído ao leão?
Sem perceber a fina ironia, o burro lá explicou que se tinha imposto pela força da sua voz. E resolveu mostrar isso mesmo ao leão. Zurrou como nunca tinha zurrado, assustando todos os animais da quinta. O leão, impávido e sereno, apenas replicou que a voz impressionava, mas que o burro mostrasse o tamanho da sua sombra.
Agora é que o burro estava baralhado. Mas o leão explicou. E levantou-se. E, ao fazê-lo, a sua sombra extendeu-se sobre a quinta, cobrindo a capoeira, a coelheira, o estábulo e a casa. E, lá dentro, todos os animais vociferaram em pânico, temendo a sombra do leão.
E depois, veio o silêncio. Um silêncio pesado, de chumbo, daqueles que antecedem as tempestades, ou os inícios de uma grande batalha. Como se, com a sua sombra projectada, o leão tivesse transformado o dia em noite. Ao ver a imponência do leão, o burro finalmente percebeu: O leão era, como sempre tinha sido, o rei do animais. De todos os animais.
E afastou-se, com as orelhas caídas.O exemplo estava dado. A insubordinação animal anulada. Pausada e majestosamente, o leão afastou-se e continuou o seu caminho.
*Adaptação de um conto infantil escrito por António Torrado. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência...
(Artigo desta semana publicado no jornal do Sporting)