As minhas aventuras no pré-fabricado (1)
Ganhar a um rival é a vitória suprema. Ganhar no estádio do rival é atingir o nirvana da vitória. Em 2004 havia mais um acontecimento a juntar ao já tradicional derby benfica-Sporting. Era o primeiro a ser disputado no pré-fabricado, vulgo banheira. Construído à pressa para ser utilizado como palco da final do Euro 2004 ficou assim, como uma estrutura inacabada, cheio de vigas e postes à vista, atabalhoadamente pintados de encarnado. Lembra-nos aqueles edifícios em construção cuja obra é embargada, ficando o edifício apenas com a estrutura. Os acessos, estradas de terra batida, lama no inverno. As diversas entradas para o recinto, meros tapumes metálicos. Lá fui, com um bilhete oferecido, no meio de um grupo de trinta e oito dos de Carnide e dois Sportinguistas. Ao sair de casa ainda olhei para o cachecol (pensei: aquilo na sua maioria é um bando de arruaceiros, vou assim sem identificação. Foi a minha sorte, à frente explicarei). O caminho até ao pré-fabricado fez-se, com mais lama aqui e acolá. Entrámos naquilo, directos para o topo de uma das balizas. Comecei logo com a urticária, aquilo era encarnado a mais para mim. O primeiro a entrar para o aquecimento foi o nosso guarda-redes Ricardo, que no decorrer do jogo iria efectuar uma portentosa defesa a um livre directo. É gratificante observar de perto a cara dos de Carnide, quando passam de uma euforia de festejo de um quase golo a um efectivo desânimo. Só isso já compensa uma ida àquele pré-fabricado. Mas voltando à entrada de Ricardo, tomei a decisão, até para ver as reacções à minha volta, de me levantar e no meio da assobiadela geral, bati palmas ao nosso jogador. Aparte um ou outro olhar de esguelha, foi pacífica a reacção. O jogo começa e desde logo se vê que fomos lá para mandar naquilo, Rochemback abriu o marcador por penalti sobre Silva o pistoleiro, que faria poucos minutos depois o segundo golo, ambos festejados por mim e por mais uns quantos milhares de Carnide, sim o seu desalento, a sua angústia eram para mim maravilhosos festejos em conjunto. Estive quase a fazer um High five com um deles, mas depois achei melhor voltar a gritar a plenos pulmões; SPORTING!
Na segunda parte controlámos de forma clara o desafio, sofremos um golo de forma atabalhoada, para no fim Sá Pinto repor alguma verdade no marcador. 1-3, resultado final do primeiro derby no pré-fabricado dos de Carnide. Perto do fim, um senhor atrás de mim dá-me um toque, volto-me para trás e ele abre ligeiramente o fecho do seu casaco, era dos nossos, o cachecol estava lá! Apertamos a mão e digo-lhe: Esta já é nossa! Ao sair do estádio a única mancha da tarde/noite. Distraído com as mensagens no telemóvel, dou comigo no meio de uma das claques dos de Carnide, o diálogo entre eles era só um: Apanhar lagartos para descarregar a frustração! Ainda bem que o cachecol ficou em casa.