Fidelidade
Sporting? O meu filho perguntou-me se podia mudar de clube.
O nosso clube vive momentos muito difíceis e sei que não nos devemos limitar a recordar glórias passadas, mas há uma história que gostaria de partilhar aqui, a história que ditou a minha devoção ao Sporting, uma devoção transmitida pelo meu pai, como é costume.
Sou nortenha, com muito orgulho. Nasci em Castelo de Paiva, cresci em Vila Nova de Gaia e licenciei-me na Universidade do Porto. Toda a família do lado da minha mãe é portista, até o meu irmão se tornou portista, na juventude, e por lá ficou. Eu permaneci fiel aos meus ídolos de infância, os grandes do Sporting dos anos 1970: Yazalde, Damas, Dinis, etc. Tudo por causa de uma história sobre uma senhora de Lisboa que o meu pai me contava, quando eu era pequena. O meu pai é oriundo de uma remota aldeia transmontana, onde também não se encontram sportinguistas. A não ser ele, desde criança.
Como a história já não estava clara na minha memória, pedi-lhe que ma tornasse a contar e ele enviou-me um email que me emocionou. São excertos desse email que reproduzo aqui. O seu autor: José Manuel Torrão.
«A senhora de que falas era minha tia, irmã de meu pai, ou melhor, meia-irmã. Era filha de meu avô, mas não da minha avó. Chamava-se Teresa, mas não tinha o apelido Torrão. Era Teresa Costa. Foi muito jovem, talvez ainda criança, para Lisboa, com uma família. E por lá ficou sempre. Nunca mais veio a Trás-os-Montes. Trocava correspondência com o meu pai, de quem era muito amiga.
Estive em casa dela três vezes. Em 1951 ou 52, em 1957 e em 1963. Ela morava numa casa modesta, na Rua do Saco, nº 32. Não era longe do Jardim da Estrela. Vivia com o marido e um filho.
Ainda antes de a conhecer, eu já era simpatizante do Sporting, por influência dela, à distância. As pessoas daqui, se fossem a Lisboa, iam ter a casa dela. Quem emigrava para o Brasil ou África, nesse tempo, ia de barco e embarcava em Lisboa. Alguns iam acompanhados de um ou outro familiar que regressava à terra. Então essa minha tia aproveitava e mandava uma lembrança de vez em quando para nossa casa. Quase sempre objetos decorativos - caneca, prato, copo, pano - fosse o que fosse, tinha sempre as cores verde e branca e o emblema do Sporting.
Quando a visitei pela primeira vez, é que eu vi um sportinguismo como nunca vi em parte alguma. E que nunca esqueci. Dentro de casa era quase tudo verde e branco. Lembro-me do teto da sala ser de tábuas pintadas, umas de verde, outras de branco, alternadamente. Em cima dos móveis, havia fotografias de jogadores, expostas como as fotos de família. Lembro-me de ver o Hilário, o José Carlos, o Pedro Gomes e outros. Ela dizia-me que eles a visitavam e lhe chamavam madrinha, tia ou avó. Também me dizia que tinha lugar sempre garantido no autocarro do clube para os jogos fora de Lisboa e no avião para o estrangeiro.
Numa das noites que lá dormi, levaram-me a Alvalade e assistimos a um jogo de futebol que, não tenho a certeza, mas parece-me que foi uma homenagem ao Travassos, o antigo e célebre jogador dos chamados cinco violinos. Falando ainda da casa: os tapetes, as toalhas, os guardanapos, tudo tinha o emblema do leão.
Portanto, a minha simpatia pelo Sporting deve-se de facto a essa tia. Depois de a visitar a primeira vez, nunca mais esqueci aquele clube».