De santo e de louco todos temos um pouco*
Há, em cada sportinguista, algo de santo e de louco ao mesmo tempo. A santidade advém-nos da paciência, essa qualidade cultivada ao longo de gerações e transmitida de pai para filho com a ternura de quem pendura ao pescoço do outro o cachecol verde e branco.
Através das sucessivas épocas, cada sportinguista apreende o conceito de relatividade melhor do que o próprio Einstein. Sabemos que o Tempo não é o mesmo para nós e para o comum dos mortais. Em Alvalade, na casa de cada sportinguista, na mesa de cada café, quando nos reunimos há algo do passado que sempre regressa mas igualmente um futuro por vir do qual nunca se abdica.
Somos diferentes. Couraçados que atravessam os oceanos indiferentes aos mísseis que, sob a forma de palavras, são enviados por adversários camuflados de comentadores televisivos e fazedores de opinião. Mas somos, também, adultos e crianças com um sonho, uma vontade de que nos recusamos a abdicar e que é, desnecessário será dizê-lo, voltar a vencer o campeonato.
Será isso uma doença incurável? É uma utopia colectiva a vontade de sentir a alegria, a euforia, a festa? Que seja. Mas se for doença não prescindimos da cura e se for utopia recusamos as famosas palavras de Eduardo Galeano, escritor uruguaio: "A utopia está lá no horizonte. Aproximamo-nos dois passos e ela afasta-se dois passos. Caminhamos dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que caminhemos, jamais o alcançaremos. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que não deixemos de caminhar".
Ao contrário de Galeano, somos sportinguistas. Não acreditamos que o horizonte da vitória seja inalcançável. E por isso prosseguimos o caminho. Damos dois e dez e cem passos e entristecemo-nos quando o resultado não surge, quando parece afastar-se por mais que andemos, quando vemos um jogo que desilude e nos afundamos na cadeira do estádio ou no sofá, temporariamente vencidos por um cansaço que parece não ter nome.
Mas depois…Depois levantamo-nos e recordamos os que vieram antes de nós, aqueles que nos seguem e seguirão, os antepassados, os filhos, os netos. Recordamos o que significa ter por símbolo um leão, ícone da força, da grandeza, da coragem.
Talvez hoje em dia, por acumulação das intempéries que atravessamos, dentro e fora do campo, seja mais difícil acreditar. Mas é por isso mesmo ainda mais necessário. Imprescindível até. Força Sporting! És a nossa fé.
*Texto publicado na edição de hoje do Jornal Sporting