Os nossos ídolos (26): Mário Jardel
Deus sabe que Mário Jardel não era um fabuloso jogador de futebol. Não era um sonhador como Maradona ou como Messi. Não tinha os pés pendulares de Zinedine Zidane ou de Platini. Não tinha a jactância dos Ronaldos (o triste e o dentuça). É verdade que não, mas Mário Jardel tinha isto: tinha o fogareiro sempre aceso. Era o Super Mário. Sem ter sido um fabuloso jogador de futebol, só me ocorre dizer isto: Jardel foi (muito provavelmente) o maior goleador do futebol moderno. Eu comecei por gostar dele como as mulheres gostam umas das outras: com uma total falta de expectativas. Chegou a Alvalade na época 2001/02 vindo da Turquia e marcou logo 42 golos. É isto que se chama uma saraivada. Mais isto: por três vezes marcou três golos num jogo e bisou numa outra dúzia. Nem vale a pena dizer, mas devemos ter ganho o campeonato, a taça e a supertaça, não foi? Jardel não era um jogador da bola: era uma máquina de fazer golos. Aquilo chegava a ser leviano, logo ele, que acreditava estar predestinado como goleador. Tinha uma fome esgalgada de golos. Enchia a grande-área como se fosse engolir o mundo inteiro. Rematava de onde calhava e com a parte do corpo que calhava, mas sempre com elevadas probabilidades de marcar. Era esse dom que deixava os guarda-redes com a passarinha a tremer. É um exagero repetir que Jardel andava ao serviço de Deus dentro do campo, mas ele achava que sim. Ele achava que tinha o dom dos eleitos. Eu só acho que havia algo de inexplicável naquela retórica belicista. Jardel tinha, como direi isto, uma certa vocação napoleónica, tinha o poder dos golos, uma fome que não podia esperar. O futebol do Super Mário era isto: uma permanente narrativa de guerra. O resto, já se sabe: a queda estroina de um homem-guerreiro é sempre mais impressionante do que a sua ascensão sacrossanta. As coisas deixaram de correr bem a Jardel fora dos campos, teve o seu Waterloo e acabou a carreira quando todos merecíamos muito mais. Ele ficou órfão da opinião pública e dos elogios dessas mediocridades glorificadas dos jornais de bola. Eu fiquei apenas grato.