Os nossos ídolos (25): André Cruz
Uma questão como “qual atleta do Sporting é o nosso ídolo” não tem uma resposta única ou óbvia, pelo menos para mim. Muitos dos atletas já abordados nesta série, e outros que porventura nem serão nela incluídos, merecem que os classifique como “ídolos”, e não só no futebol. O nosso clube tem uma grande tradição em diversas modalidades, nas quais teve diversas importantes vitórias que deram origem a muitos títulos que ajudavam a compensar o jejum no futebol nas décadas de 80 e 90.
Se me perguntarem, porém, qual foi o futebolista mais decisivo, não o mais importante – todos foram importantes: essa era uma equipa equilibrada -, mas o mais decisivo, para pôr fim a esse jejum, aí responderei sem hesitação: foi o André Cruz (logo seguido pelo Acosta, é certo – mas para mim foi o André). Como para mim esse foi o mais belo e emocionante título do nosso clube, foi sobre o André que decidi escrever. Contratado cirurgicamente como reforço de inverno em 2000, o André, internacional brasileiro, era um central experiente e de invulgar categoria, distinguindo-se por uma característica que sempre admirei num jogador: uma extraordinária precisão de passe e de remate. Fazia lembrar outro grande leão com semelhante precisão, o Carlos Xavier, que bem merecia pertencer a esta lista de ídolos. Os livres do Carlos renderam muitos pontos na década de 90, mas infelizmente nenhum título (embora o Carlos até tenha sido campeão em 82, na sua primeira época). Já com o André o Sporting conquistou dois títulos de campeão nacional, uma taça e uma supertaça. Mas toda a gente o associa sobretudo aos dois momentos cruciais da época de 1999/2000: a vitória em Alvalade com o FC Porto, em que o Sporting assumiu a liderança no campeonato a meio da segunda volta pela primeira vez em 18 anos, e a consagração, contra o Salgueiros, em Vidal Pinheiro. Em ambos o André “faturou” golos importantes. Recordo ainda outro golo de livre, na época seguinte, no empate com sabor a vitória contra o Real Madrid do Figo, em Alvalade, na estreia na Liga dos Campeões nessa época, que comemorei em casa. Na altura não vivia em Portugal, e foi esse o único jogo do Sporting a que assisti em direto em minha casa.
Por essa mesma razão, nunca tinha assistido ao vivo a um jogo com o André, até aqui há dois anos, quando se realizou em Alvalade um amigável de homenagem ao grande Iordanov, com a presença de jogadores seus contemporâneos, como o André e o também grande, enorme Acosta (felizmente o Iordanov e o Acosta fazem parte desta lista de ídolos, e seria imperdoável que não fizessem!). Ao intervalo, havia um passatempo em que, com um único remate à distância de um penálti, se tentava enfiar a bola, não numa baliza, mas num buraco de dimensões pouco superiores às da bola. Um teste dificílimo, que exigia uma precisão de remate superior. Vários jogadores e espetadores tentaram, com um remate, enfiar a bola no referido buraco. O único que o conseguiu, à primeira tentativa, foi o André Cruz, aos quarenta e tal anos.
A referida precisão de passe do André não era útil somente a marcar livres, embora fosse essa a faceta mais visível e mais recordada. O André não se limitava a despachar bolas para a frente sem nexo, de qualquer maneira, como tantas vezes se vê centrais fazerem. O André colocava sempre a bola na posse de um companheiro de equipa, a longa distância, por vezes do outro lado do campo. Uma bola ganha pelo André era uma bola efetivamente ganha: era um ataque que começava.
Nunca mais tivemos um central como o André.