Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

És a nossa Fé!

Luisão, a FPF e a FIFA

Revendo muito do que se passou durante as minhas férias - forçosamente curtas por ter um «amistoso» agendado com um cirurgião na próxima sexta-feira - não resisti à tentação de abordar o já notório caso Luisão. Ao ler as inúmeras manchetes noticiosas, verifiquei prontamente que os suspeitos usuais da comunicação social recorreram à velha e matreira estratégia: «uma mentira contada mil vezes torna-se verdade», na sua transparente intenção de influenciar a opinião pública, e a de outros, focalizando o alegado exagero da reacção do árbitro e minimizando a causa à raiz de tudo, que foi precisamente a acção do jogador. Não pretendo ajuizar a gravidade do incidente nem a eventual culpabilidade, ou inocência, do capitão «encarnado» - deixo essa contenda a quem de direito - todavia, será útil separar os factos da ficção.

É perfeitamente plausível que a discussão fulcral do caso se assente na definição conceitual do termo «agressão», já que a consequência da acção apenas serve para apreciar a gravidade da mesma e não para a anular. Mesmo sem recorrer a «nuances» de Direito, torna-se importante sublinhar que em matéria desta natureza o organismo soberano do futebol fundamenta-se no mais elementar conceito jurídico: «Agressão é um acto através do qual uma pessoa acomete, toca ou empurra outra pessoa, ou por qualquer outro meio exerce força de qualquer tipo sobre outra pessoa, directa ou indirectamente, sem o consentimento da outra pessoa e com o intento de a fisicamente injuriar, indiferente se causa ou não injúria, dor ou dano». Nos instrumentos que ordenam o poder e a competência dos orgãos judiciais da FIFA e até nas próprias «Leis do Jogo», diversos sinónimos do termo são evocados: «confrontação física através de cotovelada, soco, empurrão, pontapé, etc., conduta violenta, injúria física e ameaça à integridade física».

Quanto ao  Código Disciplinar da FIFA, que tanto tem sido propagado, à conveniência, os seguintes artigos são pertinentes ao caso em questão:

1.º O artigo 2 que estipula o escopo de aplicação do instrumento, especifica, entre outras coisas, que o Código é aplicável a qualquer jogo ou competição promovidos pela FIFA e, também, a qualquer situação em que a integridade física de um elemento da arbitragem é posta em causa;

2.º O  artigo 49, ponto 1 a), estipula o mínimo de seis meses de suspensão por agressão a um elemento da arbitragem;

3.º O artigo 70, ponto 1, estipula que jogos e competições não promovidos pela FIFA, são da responsabilidade directa das confederações, federações e outros organismos desportivos que os organizam, no que concerne a aplicação das sanções pelas inerentes transgressões, e que, se for solicitado, essas sanções poderão vir a ter efeito mundial. O ponto 2 estipula que os orgãos judiciais da FIFA reservam o direito de processar transgressões consideradas graves se as autoridades citadas não o fizerem ou se não o fizerem de acordo com os princípios fundamentais de Direito. O ponto 3 estipula que as mesmas autoridades assumem a obrigatoriedade de participar à FIFA qualquer transgressão grave dos seus objectivos estatutórios;

4.º O  artigo 71, ponto 1, estipula que em jogos amistosos entre clubes de diferentes federações, a obrigatoriedade de instaurar um processo disciplinar a um jogador recai sobre a federação à qual o jogador pertence, mas que em qualquer caso, o Conselho Disciplinar da FIFA poderá intervir «ex ofício» (por dever do cargo);

5.º O  artigo 136, ponto 1, estipula que se a transgressão é grave, a exemplo mas não limitado a casos de dopagam. viciação de resultados desportivos e conduta violenta contra elementos da arbitragem, as confederações, federações e outros organismos desportivos assumem a obrigatoriedade de solicitar à FIFA que a sanção seja extensível a efeito mundial. O ponto 4 estipula que se os orgãos judiciais da FIFA vierem a saber que as referidas autoridades não cumpriram com esta obrigatoriedade, estes próprios orgãos assumirão essa decisão.

Resumindo e concluindo, contrário a muito do que foi noticiado, com deliberada e excessiva liberdade de interpretação, o caso de Luisão encontra-se perante o Conselho de Disciplina da FPF simplesmente porque está assim previsto estatutoriamente e a FIFA reserva o direito, à sua discrição, de intervir mediante o seu parecer sobre a gravidade do caso, a decisão do conselho disciplinar federativo e, muito em especial, se entender que o processo não decorreu de acordo com os princípios fundamentais de Direito. Na realidade, raros são os casos que originam em competições não por si promovidas, em que a FIFA assume jurisdição directa logo à partida. O relatório do árbitro foi conduzido para a Federação Alemã que, por sua vez, participou a ocorrência tanto à FIFA como à FPF. Pelas conhecidas circunstâncias, é inimaginável que o juiz não tenha referenciado «agressão» no escrito, indiferente da linguagem de preferência. Conquanto seja plausível que a FIFA tenha enviado qualquer comunicado à FPF, nunca poderia ter avançado a ideia de que é um assunto de alçada interna absoluta, uma vez que o organismo mundial reserva o soberano «ex ofício» direito de intervenção, mesmo posteriormente, face a um qualquer eventual recurso da decisão tomada. Por outras palavras, seja qual for o veredicto  das autoridades desportivas portuguesas, o futuro do jogador estará sempre dependente do preeminente parecer da FIFA. É um caso de acompanhamento muito interessante, não pela expectativa de ver o jogador suspenso, mas pela «urgente» decisão exigida à FPF e, consequentemente, pela reacção da FIFA à mesma. Não acredito que os orgãos portugueses se atrevam a mais um episódio de «atirar poeira jurídica para os olhos», a exemplo do que ocorreu com o regulamento dos empréstimos, pelo olhar atento da autoridade superior. Dito isto, neste nosso mundo, muito do que pode acontecer, acontece mesmo, e, como bem sabemos, a FIFA é ocasionalmente movida por «ventos» imprevisíveis.

 

8 comentários

Comentar post

{ Blogue fundado em 2012. }

Siga o blog por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

 

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D