Silly season *
A expressão, datada do século XIX, é originária da política, mas rapidamente se alastrou a vários sectores da sociedade, incluindo obviamente o futebol.
Lembrei-me de escrever sobre isto, quase pelos motivos óbvios: agora que o campeonato acabou e que o novo ainda não começou – e numa altura em que é preciso continuar a manter aceso o negócio da bola – as notícias dos jornais enchem-se de rumores, contra-rumores, tácticas e técnicas, para os meses alucinantes que se avizinham em que volta tudo ao início e onde qualquer equipa pode ser campeã.
Nas semanas da silly season futebolística pode-se dizer e escrever praticamente tudo. Hoje em dia é bem mais arriscado fazer esse exercício, com a televisão, a rádio, os jornais e a internet a registarem as promessas dos clubes, as gafes dos comentadores e as apostas dos adeptos. Mas lembro-me do saudável tempo de impunidade quando era miúdo e sabia pelas supostas novidades do Sporting pela bíblia (A Bola, obviamente).
Hoje em dia, ler A Bola na praia é um desafio mais ou menos suportável, com um nível de esforço igual à leitura de um outro qualquer jornal. Mas, há 20 anos, não era bem assim. A Bola era de um tamanho incomportável para se ler na praia, mas todos nós lá em casa fazíamos esse esforço.
Chegávamos à praia de manhã cedo e o meu pai iniciava a leitura sentado na cadeira junto à barraca que alugávamos religiosamente todos os verões na Ericeira. O meu pai, consoante o número de cigarros que fumava e os comentários que fazia, dava, a mim o meu irmão, o sinal que aquela edição de A Bola era merecedora da nossa atenção.
Às vezes, o meu pai interrompia a leitura para ir dar um mergulho ao mar e deixava o jornal de lado. Apesar do pedido, sempre reiterado, de querer ler o jornal em primeiro lugar, nestas alturas aproveitávamos para dar uma espreita às novidades do nosso Sporting.
Quando a coisa corria bem, conseguíamos ler sem que o meu pai se apercebesse que o desportivo tinha sido mexido. O problema é que, inúmeras vezes, corria mal. O vento levava as folhas pelo areal, o jornal ficava sujo de areia, algumas páginas eram rasgadas pela disputa incessante de cada um de nós querer ler o que acontecia ao Jordão, ao Manuel Fernandes, ao Artur e a tantos outros jogadores. E, naturalmente, se a nossa equipa iria ter reforços dignos de vestirem a camisola do leão.
Muitas vezes éramos, por isso, apanhados. Mas, confesso-vos, o melhor apanhado foi feito pela minha mãe. Uma das fotos que guardo com muita saudade é de um verão passado, não sei situar o ano. A minha irmã brinca na areia, enquanto três cabeças debruçadas sobre A Bola lêem as últimas novidades. O meu pai, no meio, e dois rapazes traquinas, um em cada ponta, a espreitar. Alguém falou em silly season?
*Artigo publicado hoje no jornal do Sporting