Não é defeito, é feitio
Esse órgão de propaganda benfiquista que é “A Bola” dava por si só para um curso de semiótica e hermenêutica. O nº de hoje, como habitualmente, eleva às estratosferas da mistificação o conceito que a folha tem de jornalismo.
Um primor da arte de Goebbels são as pags. 2 e 3. Título: “Às vezes é o verde que rouba a esperança”. Esta “esperança”, embora se apresente como um conceito abstracto é na verdade bem subjectiva; trata-se da esperança de o benfica conquistar o título. Temos assim que embuçado num tom de objectividade o artigo está todo do ponto de vista benfiquista. Donde o verbo “roubar”, coisa reprovável e feia.
Intertítulos: “Enfim um leão a sério”, “Os tons possíveis de azul” e “Águia comete os mesmos erros”. Ou seja: a merda do Sporting suplantou-se para fazer um favor ao Porto e o benfica devia ter-se prevenido. Destaque: “Tal como na época passada, benfica volta a revelar fragilidades no final do campeonato”. Como quem diz: bem vos avisei que assim não vamos lá – nós, o benfica.
Numa caixa em baixo na pág. 2: “Leões evitam série de embaraço”. Pois: a vitória “deles”, num contexto mais geral, apenas conseguiu evitar in extremis a vergonha.
Mas a própria capa é um magnífico exemplo da apuradíssima técnica de manipulação de “A Bola”.
O destaque é uma frase anódina, as a matter of fact: “Força de leão”, que ao longe pode ler-se “forca de leão”. Sobre este destaque, o ponto de vista: “vitória do Sporting é via verde para a festa do dragão”, lindo e insinuante trocadilho… Depois na diagonal perfeita, descendo para a esquerda no sentido da leitura, portanto: “Jesus queixa-se do árbitro” e mais abaixo, num ostensivo círculo vermelho, uma citação. Do vencedor?, não do guarda-redes do benfica: “este campeonato fica manchado por grandes erros de arbitragem”. O que é bem verdade, mas não esta verdade.
Tão bem desenhada está a primeira página de “A Bola” que somos forçados a pôr de lado a hipótese de incompetência jornalística. Talvez também não seja má-fé ou desonestidade intelectual, pode ser que seja mesmo um ethos.