«O Professor Moniz Pereira foi um senhor do desporto e continuará no coração de todos os portugueses genuinamente de bem. Que descanse em paz. E, já agora, que arranje lá por cima mais uma equipa para treinar - uma equipa de campeões.»
Anthony Lopes, guarda-redes da selecção portuguesa que se sagrou campeão europeu em França, foi abordado por um jornalista do desportivo A Bola após o encontro entre a sua equipa e o Benfica e recusou-se a falar. O texto que esta recusa originou foi publicado ontem no dito jornal, da qual junto foto. Poder-se-ia, à primeira vista, depois da leitura desta peça jornalística, pensar que seria apenas um revanchismo primário, de alguém que ficou desapontado por não ter conseguido a cacha que julgava natural. Mas parece-me muito mais que isso.
Esta peça foi mais que um aviso, foi a demonstração de como se sentem alguns jornalistas que se pavoneiam pelas redacções. A forma baixa, reles até como Rogério Azevedo aborda a opção de Antonhy Lopes de não lhe prestar declarações, ultrapassa qualquer noção que possamos ter do que é jornalismo. Pior que tudo o que escreve e como escreve, é o facto de a mesma ser publicada na versão impressa. Nos dias de hoje pode-se infelizmente aceitar que algumas notícias, nas versões on-line dos jornais, possam conter algumas imprecisões ou mesmo que deturpem o que noticiam. Estamos perante a voragem do imediato e aos estagiários que tomam conta das edições digitais por vezes falta-lhes paciência para confirmar o copy/paste que acabaram de publicar. Na edição impressa há ou pelo menos exige-se que haja, um controlo editorial sobre o que é publicado. E tenho a certeza que no jornal A Bola tal controlo existe. Assim, apenas nos resta confirmar que esta peça jornalística teve o apoio do director e restante equipa editorial deste desportivo. E é aqui que entramos no sistema do futebol, português, do qual fazem parte, com grande importância, os órgãos de comunicação social. São aliás peça fundamental, ao não cumprirem o seu dever de investigar e denunciar todos os casos, usando um eufemismo, menos claros que ano após ano caracterizam o nosso futebol.
Esta peça representa em todo o seu esplendor o que é o futebol em Portugal. Se colaboras e entras no sistema és bem tratado. Pelo contrário se não colaboras, se não acedes a fazer o favor, o jeitinho, és alvo da ira conjunta de quem quer que este sistema se mantenha.
Percebem agora o porquê do Sporting, o nosso Sporting, ser tratado como é pela generalidade dos jornalistas em Portugal?
«Já não me lembro bem quando, mas numa ida ao Estádio Universitário deparei-me com um homem de cronómetro e dois magricelas a fazer séries de 200m com 200m de recuperação a seguir. Um magro e alto e outro mais baixo e que mais parecia uma enorme peitaça com uns magras pernas a suportar. Mamede e Lopes. E lá andavam, volta após volta, à pista do Universitário. E anos mais tarde, como todos os portugueses da altura, lá fiquei embasbacado com as vitórias do Lopes e os records do Mamede. Como Aristóteles, [Moniz Pereira] entendia que "o homem é aquilo que faz repetidamente" e portanto todos os dias eram dias de treino, com tempestade ou terramoto.»
Em 21 destaques feitos pelo Sapo em Julho, entre segunda e sexta-feira, para assinalar os dez blogues nesse dias mais comentados nesta plataforma, És a Nossa Fé recebeu nove menções ao longo do mês.
Fica o nosso agradecimento aos leitores que nos dão a honra de visitar e comentar. E, naturalmente, também aos responsáveis do Sapo por esta iniciativa.
Ao luto dos rostos, não pode deixar de surgir um certo sorriso pelo modo poético como parte Moniz Pereira: nas vésperas do início de novos Jogos Olímpicos, maior acontecimento mundial do Desporto, onde não há modalidade alguma a ser ditadora perante as restantes.
Tal como nas estafetas, o Professor passa o testemunho e responsabilidade para as gerações seguintes, com a árdua missão de fazerem de Portugal um país desportivo para além de uma bola de futebol.
Esta imagem, deliciosa, de Moniz Pereira, de idade avançada, no conforto do seu lar, representa exemplarmente o que foi a sua vida para o Sporting Clube de Portugal: um dedicado militante sportinguista.
Muito obrigado, Professor!
P.S: O Sporting já cometeu esse erro, agora é a vez do Benfica. Essa mania de omitir o nome do rival nas notas de pesar sobre figuras que tiveram uma projecção para além do próprio rival, só fica mal.
Sem disfarçar com os tafetás destas ocasiões que ofendem a verdade e diminuem a memória: Mário Moniz Pereira era frio, duro e ambicioso. E foi assim que conseguiu industriar uns rapazes de aldeia a serem campeões - e dar-lhes uma vida que na infância nem em sonhos... Venha quem faça melhor.
Mário Moniz Pereira com Carlos Lopes em Janeiro de 1976: seis meses depois, o segundo conquistaria a primeira medalha olímpica de atletismo para Portugal
Mário Moniz Pereira foi um dos raros portugueses de excepção que tiveram o privilégio de ser homenageados várias vezes em vida: Medalha de Mérito Desportivo, Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, Comenda da Ordem da Instrução Pública, Medalha de Mérito em Ouro, Ordem Olímpica, Leão de Ouro com Palma, Grande Oficial da Ordem do Infante. Ao contrário do que é costume nas sociedades latinas em geral e na portuguesa em particular, mais dadas à veneração dos mortos.
Nós próprios, à nossa modesta escala, várias vezes o mencionámos no És a Nossa Fé e nunca deixámos passar, por exemplo, um seu aniversário sem a devida e merecida menção. Basta clicar na etiqueta moniz pereira para confirmar isso.
Foi também o melhor representante da cultura leonina, pelo ecletismo de que sempre deu provas no seu percurso pessoal enquanto praticante de ginástica, futebol, andebol, basquetebol, ténis, ténis de mesa, hóquei em patins, natação, tiro, equitação e esgrima.
Onde mais se distinguiu foi no voleibol, tendo sido duas vezes campeão nacional (1953/54 e 1955/56), a última também como treinador. E acima de tudo no atletismo, começando pelo título de campeão universitário de Portugal no triplo salto: aqui, como treinador e dirigente com o pelouro das modalidades, conquistou tudo quanto havia para conquistar: provas e campeonatos no plano nacional, europeu, mundial e olímpico. Com destaque para a primeira medalha de ouro portuguesa em Olimpíadas, obtida por Carlos Lopes em Los Angeles, na inesquecível madrugada de 13 de Agosto de 1984, quando nenhum português conseguiu dormir.
Mas na hora da despedida do Senhor Atletismo, ilustre sócio n.º 2 do Sporting Clube de Portugal, conclui-se com tristeza que faltou a homenagem que ele mais desejaria: o regresso da pista de atletismo ao estádio do nosso clube.
Pista que o pioneiro Estádio José Alvalade orgulhosamente possuía e foi utilizada por milhares de atletas - em benefício da instituição leonina e do desporto português. Pista que a partir de 1979 passou a ser de tartan, por insistente reivindicação de Moniz Pereira, no rescaldo da medalha de prata obtida na prova dos 10.000 metros dos Jogos Olímpicos de Montreal por Carlos Lopes, o mais brilhante dos seus pupilos. Pista que se perdeu em 2003: o projecto encomendado a Tomás Taveira - só virado para o futebol, esquecendo o ecletismo que é marca distintiva do Sporting - não a contemplava. Nem foi possível reparar o erro, apesar de o custo final do novo estádio ter excedido em 75% o montante inicialmente estipulado.
De todas as homenagens, esta teria sido a que ele preferiria. Foi a única que ficou por concretizar.
Visitei há poucos dias o renovado museu Mundo Sporting. Vi muitos títulos nacionais e internacionais, li as histórias das conquistas desses títulos, mas o que mais me emocionou foi ver as medalhas olímpicas. Algumas delas, as primeiras do atletismo - ainda no dia 26 de Julho passaram 40 anos sobre a primeira de todas - devem-se muito à visão de Moniz Pereira. Espero que os atletas portugueses possam homenageá-lo, e que o Sporting saiba honrar a sua memória.