Da natureza das coisas
O que é isso de uma candidatura ao título? É preciso preencher algum formulário, arranjar um número mínimo de proponentes, recrutar mandatários, reconhecer assinaturas ou comparecer em sessões públicas de esclarecimento? Está visto que toda esta discussão sobre o Sporting ser ou não, nesta época, candidato ao título de campeão nacional só pode nascer do uso e abuso de figuras de estilo pelo universo do futebol, como é, manifestamente, o caso presente, em que o recurso à palavra candidatura, para uma grande parte das opiniões que tenho lido e ouvido, parece pressupor a necessidade de um acto voluntário e de uma declaração pública solene.
O conceito de candidato ao título, se expurgarmos o discurso do significado original do termo, desprendendo-o, portanto, de quaisquer amaneiramentos literários, só pode corresponder à vontade de lutar por esse objectivo e de considerar que ele é possível. Não depende da assunção dessa meta, por parte de seja quem for, nem é preciso que seja o principal objectivo da equipa. No Sporting, temos problemas económicos e financeiros de tal magnitude que não nos é possível eleger a conquista do campeonato como o alvo prioritário. Se me perguntarem se o Sporting deve reforçar-se em Janeiro, tendo em vista o título, direi que sim, se tal for necessário, que vamos aos bês buscar Rúben Semedo ou João Mário ou Iúri Medeiros ou Betinho ou Ricardo Esgaio ou Filipe Chaby, ficamos muito bem servidos e começamos já a ver as estrelas de daqui a dois ou três anos. Não temos capacidade económica e financeira que nos permita contratar jogadores já consagrados, nem isso seria, a meu ver, desejável, tendo em conta, independentemente das dificuldades do clube, a estratégia que sempre defendi para o Sporting.
Mas nada disto significa que o Sporting não seja candidato. À partida, o Sporting é sempre pretendente ao primeiro lugar porque as coisas são como são, essa é a sua natureza, quer queiramos ou não, quer o assumamos ou não. Não vale a pena tentar fazer disso um segredo nem um tabu, todos queremos e esperamos ardorosamente, enquanto as volubilidades do seu comportamento e do dos seus adversários o permitirem e enquanto as suas fragilidades não impedirem o caminho, que o Sporting seja campeão. Eu, pelo menos, não estou disposto a dispensar nem a deixar de proclamar esse objectivo. Se correr mal, paciência, não podem ganhar todos e não ser campeão está muito longe de ser uma vergonha, o que poderá desdourar o clube é a desistência do esforço, a abdicação da luta pela vitória.
Para mim, o Sporting, com mais ou menos dinheiro, com jogadores mais jovens ou mais veteranos, é, tem que ser, sempre candidato. É assim que, às vezes, o mundo se move, não depende da nossa vontade e não é preciso que alguém o diga, é um atributo da grandeza, é, como está bom de ver, da natureza das coisas.