Futebol de dez
A Bola de hoje consegue superar-se e, insistindo na manifestação de um abjecto conceito de jornalismo, brinda-nos, como é seu apanágio, com uma capa do mais ridículo - e temos visto muito - patrioteirismo que é possível imaginar. É muito raro ver algo tão sem jeito, de tão mau gosto, alguma coisa que diga tanto sobre as capacidades intelectuais e a estrutura mental de quem está envolvido na concepção e de quem dá o beneplácito a uma qualquer criação, trate-se de que área se tratar, como aquilo com que, infelizmente para a nossa razão, temos a infelicidade de nos depararmos quando olhamos para a 1ª página de hoje deste jornal.
Venceremos. Um país, uma bandeira, uma equipa. Tudo numa composição bacoca e que, presumivelmente, pretende apelar aos nossos sentimentos de amor pátrio mas que não consegue mais do que provocar alguma vergonha, aquele tipo de acanhamento perante um acto que, embora praticado por outro, nos tolhe, nos causa uma certa sensação de pejo. Podia ser um jornal radicalmente bimbo, como é, mas bem escrito, o que, pelo menos, nos daria alguma pequena compensação, alguma suspeita de ressarcimento. Mas não, nem isso, aquilo é, com algumas excepções cada vez menos numerosas, escrito num português miserável, de quem não tem intimidade com o vocabulário mais básico, de quem não domina a gramática mais rudimentar e de quem desconhece a sintaxe mais primária. Estamos a falar de um jornal em que se pensa que o Norte de África e o Médio Oriente são países (veja-se o jornal do dia 15 de Agosto, pág.16, em que, a propósito da contratação de Slimani, se falava na ...expansão da marca Sporting por outras paragens, nomeadamente no Norte de África, no Médio Oriente e em outros países). Extraordinário. E podemos ir muito mais longe. Disto, não nos iludamos com a circunstância de ter ido buscar um exemplo com três meses, há em abundância, nem sequer é preciso escavar com especial diligência.
Mas a capa de hoje, essa é que é, de facto, fantástica. Isto é jornalismo? Qualquer mentecapto de má qualidade, se não quiser pensar muito, deita uma olhadela de través para o Estatuto do Jornalista e conclui, sem delongas, que rigor, isenção e independência são valores chave de qualquer profissional que se preze e que respeite a sua função, eu quase diria a sua missão. Aqui é o que se vê.
E depois, a habilidade, a minúcia da composição, aquele algo que, na casa, deve ser tido, imagino eu, por subtileza e perspicácia. A grosseria, o abrutalhamento, a desconsideração, o desdém, a sobranceria com que da tal equipa é excluído Rui Patrício. Apenas Rui Patrício, há dez que lá estão presentes, mais uma originalidade de tão incensada equipa, que, aparentemente, jogará sem guarda-redes. Bem sei que, tendo em conta o que ficou dito, nem parece que isso constitua grande inconveniente. Talvez, ironicamente, até seja, para alguns, uma vantagem. Se tivessem dúvidas, fica cabalmente demonstrado o que deve interessar-nos este jornal.