Para mim, foi o Damas
A propósito da ultrapassagem, por Cristiano Ronaldo, do número de golos marcado por Eusébio na selecção, a comunicação social, desportiva e não só, tem-se agitado freneticamente nos últimos dias, procurando, tomada de justa indignação, contrariar os ímpios que, manifestando uma impensável e inadmissível ousadia, se atrevem, com malévolo repúdio dos dogmas desta religião, a considerar o jogador do Real Madrid ou Figo, este muito poucos, como o melhor futebolista da história do futebol português. O próprio Eusébio veio a terreiro, compreensivelmente choroso e amuado, queixar-se do crime de lesa-majestade que estará a ser cometido, já que, como é evidente, nunca pensara na iníqua possibilidade de alguém se abalançar a tal blasfémia. Se podemos entender a mágoa do moçambicano, já é mais complicado aceitar a argumentação invocada, cuja inanidade, tendo em conta as suas origens reais, podemos, se é que não devemos, submeter a piedoso silêncio.
Como se conclui da atenção prestada à sucessão de peças jornalísticas sobre o assunto, que, no geral, professam a ideia de que colocar a questão é, só por si, ofensivo da tradição e da memória, da história e da mitologia pátrias e, principalmente, de Eusébio e do Benfica, este arremedo de discussão não tem qualquer possibilidade de fazer nascer a luz, com evidente prejuízo de quem, como eu, aguarda ansiosamente um parecer definitivo e conclusivo sobre a matéria.
Atormentado pela dúvida, decidi, eu próprio, tomar uma posição e proceder, como quase todos os jornalistas, opinadores profissionais e comentadores sortidos, em função da minha paixão clubística. Aqui chegado, a minha opção foi extremamente fácil. Vítor Damas. O nosso extraordinário guarda-redes constituiu-se, para mim, atreito como sou a tiques idólatras, numa figura única na história do futebol nacional e do Sporting. A sua fantástica elasticidade, técnica individual, inclusivamente no momento de sair a jogar com os pés, capacidade de comando dos homens à sua frente, visão de jogo, vontade de fazer bem e de ganhar e praticamente quase todos os atributos que fazem os grandes guarda-redes transformaram-no, auxiliados por incontáveis defesas monumentais e exibições inesquecíveis, até em jogos em que o nosso clube foi goleado, num modelo irrepetível de jogador talentoso e hábil, generoso e de inexcedível dedicação ao futebol e ao clube.
Para mim, o grande Vítor Damas, perante cuja memória me comovo e me inclino sentidamente, é o melhor futebolista português de sempre. RIP.