Cumprir os contratos
Esta guerra entre jogadores e clubes, em que os segundos, por razões, na maioria, de carácter financeiro, querem a rescisão dos contratos ou a cedência a outros títulos, sempre vantajosa, é claro, de profissionais seus, não conhece inocentes. Talvez que nas situações concretas actualmente em discussão o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol tenha grande parte da razão do seu lado, já que me parece evidente que determinados clubes, entre eles, neste momento, o Sporting, tudo fazem para afastar das respectivas folhas de vencimentos jogadores com que não contam ou cuja remuneração é excessivamente pesada para as suas possibilidades. Mas os jogadores e o sindicato não podem, sob pena de ridículo, colocar-se na posição de virtuosos trabalhadores a quem nunca passou pela cabeça, quando a ocasião surge, proceder de maneira equivalente à dos clubes. Admito que a maior parte não será assim, mas há alguns ou mesmo muitos que, pela sua cabeça ou, como é mais comum, obedecendo às ideias inspiradas dos seus agentes, apoderados ou lá como é que lhes chamam, se comportam de maneira a levantar no observador comum as maiores dúvidas sobre os seus padrões morais. Para não ir mais longe, veja-se os recentes casos de Bruma ou, pelo que é possível avaliar através das informações transmitidas pela imprensa, o de Bale, cujas pressões sobre o clube com que mantinha um contrato válido foram repugnantes.
Nesta matéria e para falarmos das acusações vindas à praça pública, Bruno de Carvalho, decidiu exceder-se, de forma totalmente irrazoável, e contrariar os mais elementares conceitos de probidade, aceites em todo o lado há milhares de anos. Em comunicado de resposta a Joaquim Evangelista, que decidiu insurgir-se contra a maneira como o Sporting tem gerido alguns processos de rescisão, Bruno de Carvalho faz diversas e graves acusações, em que não me custa nada acreditar, a alguns atletas, não especificados, dizendo que alguns destes, passo a citar " ... forçam a chegada ao último ano de contrato para chantagearem os clubes..." Espantosa concepção esta dos direitos e deveres decorrentes de um contrato! Forçar a chegada ao último ano. Ou seja, forçar o cumprimento de um contrato! Extraordinário! Como se o vício não estivesse com quem pretende forçar o seu não cumprimento. E Bruno de Carvalho diz mais, acusa esses jogadores de o fazerem com o objectivo de chantagear os clubes. Não sei qual o conceito que o Presidente do Sporting tem de chantagem, admitindo eu, no entanto, que tenha algum. Mas, nas circunstâncias a que se refere, o que é normal é assistir a comportamentos que não têm nada a ver com chantagem. O jogador recusa-se a sair antes do último ano de contrato porque isso lhe vai ser favorável na negociação de um novo contrato com outro clube. Ou o jogador quer sair sob o signo do impropriamente chamado custo zero porque isso lhe permitirá cobrar um elevado prémio de assinatura no contrato com outro clube. Ou o jogador quer negociar com o clube com que tem contrato uma remuneração muito superior.
Podemos imaginar mais algumas situações em que o jogador que tenha cumprido o contrato até ao seu termo beneficie de vantagens negociais que, por outro lado, induzam no clube a sensação de que sai prejudicado. Está bom de ver que este prejuízo não existe nem há, na maioria dos casos, qualquer acto que se assemelhe à chantagem. O contrato foi cumprido e o clube, quando muito, não realiza um negócio que estava nas suas expectativas. E o que é que os clubes querem? Querem que os jogadores aceitem ser transferidos, seja para onde for, nem que seja o Real Madrid, o Barcelona ou o Juventus, só porque isso redundaria num grande negócio para o clube com que têm contrato? Ou que renovem o seu contrato com o clube, porque isso é vantajoso para este? Dentro dos limites fixados pela lei, o que cada um tem a fazer é olhar para os seus objectivos, para as suas vantagens e desvantagens negociais, para os seus interesses financeiros e para quaisquer outros elementos que considere importantes e tomar a melhor decisão possível. Haverá comportamentos que possam ser considerados como chantagem? O melhor é torná-los públicos. O que de certeza não podemos dizer é que a vontade de cumprir contratos, forçar o cumprimento de contratos, na linguagem do Presidente do Sporting, é digna de censura.