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És a nossa Fé!

Leituras

A propósito do Dia Mundial do Livro - que se celebra amanhã -, da Liberdade - que se comemora no próximo sábado - e do antigamente...

 

«Caxias, início dos anos 60

Passara seis anos a dactilografar adendas a processos. Raramente fora autorizada a subir aos andares superiores da sede na Rua António Maria Cardoso, mas isso não a impedia de conhecer o que ali se fazia aos presos. À primeira vista, parecia uma dactilógrafa como as outras: dizia piadas agradáveis e bem aceites, sorria com generosidade às colegas e aos agentes e não se poupava nas discussões sobre o seu Benfica. Esforçava-se por criar laços de cumplicidade, era enorme o esforço investido para que os agentes não ocultassem na sua presença as histórias sobre os detidos. Essas eram as conversas que verdadeiramente lhe interessavam, como se todos os outros assuntos fossem um recurso para desvendar o que se passava nos andares de cima. Também nessa rotina diária, aparentemente ligeira e risonha, lia com redobrada atenção os processos que passava à máquina, tomando consciência das técnicas de interrogatório usadas para que os presos progredissem de informações triviais - nome, profissão, nome dos pais - para outras decisivas e comprometedoras. Percebia-se que, durante aquelas noites sem dormir, os detidos deslizavam para dentro de um nevoeiro denso, faziam conjecturas, alternavam o maior dos pessimismos com a incerteza de poderem escapar, e o normal era saírem condenados e quase sem saber quem eram.

Depois de ler tantos processos, não havia ninguém mais preparado do que Maria Helena para interrogar novos suspeitos. Por estranho que possa parecer, sempre acalentara expectativas em relação à possibilidade de uma carreira na PIDE. Aliás, aos seus olhos, o conjunto da sua vida futura dependia do êxito ou fracasso dessa obstinada esperança. A ocasião surgiu ao fim de seis anos, quando foi necessário enviar agentes e inspectores para o Ultramar e os serviços se viram forçados a abrir concursos para agentes femininas.

Foi chamada para a entrevista numa terça-feira de manhã, no gabinete de Óscar Cardoso. O inspector pediu que se sentasse enquanto folheava um dossier. Mantiveram o silêncio por largos minutos. Para Maria Helena, aquele inspector era um cavalheiro. Estudou a sua figura com interesse, e até com agrado, sem desviar os olhos. Cheirava a água-de-colónia e a cigarros Ritz; a voz era límpida como uma música; tinha as unhas bem cuidadas. Óscar Cardoso puxou de um cigarro, acendeu e apagou o isqueiro como se estivesse absorto, e finalmente acendeu-o, ganhando impulso para falar. Mais do que polícias, eram caçadores, tinham a caça no sangue, disse-lhe. Um bom agente, acrescentou, era aquele que era capaz de causar receio - neste ponto fez um gesto com a mão aberta para assinalar uma evidência. Referia-se ao medo físico, claro, e às consequências psicológicas que esse terror exercia no suspeito. Tudo dependia das técnicas de interrogatório e da capacidade em usá-las, desde as mais excessivas às que sugeriam apaziguamento e consolo. A paciência também era uma virtude. Quando se tinha paciência acontecia sempre qualquer coisa, o criminoso cometia um deslize ou a sorte pregava-lhe uma partida e acabava por confessar. Na PIDE, estava-se disposto a todo o tipo de jogadas que se podiam conceber. Não existia nenhuma possibilidade durante o interrogatório que fosse excluída de antemão. E quanto mais traiçoeira esta fosse melhor. Mentiras ao preso, falsos testemunhos de outros detidos, intrigas, difamações, ameaças de morte. Valia tudo, desde que servisse para acelerar a confissão. Se Maria Helena quisesse seguir a carreira de agente era necessário que tomasse consciência destes procedimentos. «Se tem o mais ínfimo escrúpulo em relação àquilo que aqui lhe vai ser exigido, deve dizê-lo agora», advertiu-a.

Maria Helena não fingiu que tudo aquilo a apanhava de surpresa, no fim de contas, passava processos à máquina e já ouvira muitas conversas. Afirmou-se conhecedora das práticas dos interrogatórios e, mais do que isso, com vontade de colaborar. Afinal estavam em causa os superiores interesses da Pátria. Fez um esforço para não se gabar a um homem de modos tão delicados, mas sabia, por puro instinto, o que fazer para abrir a boca àqueles comunistas. Sobretudo quando se tratava de operários e camponeses. Marchas por jornadas de trabalho de oito horas? Operários que trabalhavam de manhã à noite e quase não tinham de comer? Patranhas! Lérias para dourar a pílula de que eram todos uns comunistas!

Durante uns segundos, o inspector ficou a observá-la. Era como se aqueles olhos rasgados a estivessem a avaliar. Em nenhum momento, Maria Helena perdeu de vista a possibilidade de ser rejeitada, pelo que aprimorou com redobrados cuidados o seu discurso sobre a defesa da Pátria. Não precisava de se ter alongado, a intuição de Óscar Cardoso era infalível a identificar os melhores agentes e aquela mulher nascera para aquele serviço. Dando a entrevista por terminada, o inspector avisou-a de que teria de se abster de falar do trabalho que ali fizesse a qualquer pessoa alheia à PIDE, incluindo familiares. Este último alerta transmitiu-lhe a convicção de que seria admitida.

As suas esperanças não foram defraudadas: Maria Helena ficou em primeiro lugar no concurso para agente de segunda classe. O que mais gostou depois de entrar para os quadros da polícia política foi o treino com armas. Sentiu-se verdadeiramente satisfeita quando lhe entregaram um pequeno revólver para trazer sempre consigo. Muitas vezes, durante o dia, mesmo naqueles momentos em que não estava de serviço, punha a mão dentro da mala e deixava os dedos deslizarem pela coronha. Um prazer visível estampava-se-lhe no rosto. A arma estava carregada, com a patilha de segurança colocada. Não chegava a tirá-la; silenciosamente fechava de novo o fecho-éclair, mas o facto de a saber em sua posse fazia-a sentir-se poderosa.

(…)

Nas longas noites de Caxias, nunca as detidas viram um sorriso no rosto de Maria Helena. No entanto, todos os colegas a consideravam uma mulher bem-disposta, de gargalhada fácil. Fazia caricaturas animadas dos presos com os outros agentes, não deixando, no entanto, de reportar com seriedade aos inspectores os incidentes do seu turno. Mas eram as conversas sobre futebol e o seu amor ao Benfica que permitiram que fosse incluída no grupo dos agentes masculinos. Às segundas-feiras, descrevia com frases tensas o jogo do Benfica na véspera, abordava as tácticas do treinador Bella Guttmann, narrava com exaltação as jogadas vitoriosas de José Águas e de Eusébio, numa conversa agitada e cheia de entusiasmo. Começaram a tratá-la por Leninha, um nome carinhoso que reflectia o contraste entre as ameaças sinistras com que confrontava os presos e a alegria quase frívola com que desfrutava da vida.

(…)

António [o filho] era uma fonte de preocupações para Maria Helena. Num dia em que o foi buscar à escola, perguntou-lhe se não era vergonhoso para uma mulher ter um filho sem ser casada. Não imaginava por que fazia o rapaz essa pergunta e defendeu-se dizendo que tinha sido casada com o seu pai. Mas não lhe contava a história verdadeira e também não lhe queria explicar por que o pai nunca o contactara. Na escola, as crianças mais velhas provocavam-no com perguntas. Seguindo as instruções da mãe, ele respondia que o pai tinha morrido, virando as costas perante a expressão de crueldade dos seus rostos, saindo dali desesperado. Maria Helena dizia-lhe para nunca fugir dos colegas, para se virar a eles se lhe batessem, mas António não conseguia deixar de correr a esconder-se nas traseiras da escola, onde podia chorar à vontade.

Era um rapazinho cobarde e essa era uma das facetas que Maria Helena mais detestava no filho. Se lhe gritava, se levantava a voz, dando-lhe uma ordem - «senta-te imediatamente»; «come tudo, se faz favor» era como se as palavras lhe imobilizassem o corpo. Ficava imóvel, como se só a paralisação absoluta lhe permitisse sobreviver à fúria da mãe. Além disso, não era uma criança inteligente. Demorara a aprender a ler e só passara para a segunda classe porque a professora sabia que a mãe pertencia à PIDE. Maria Helena, que não tinha medo de nada, receava as apreciações da professora sobre o filho, temia que confirmasse que o miúdo não era inteligente.

Pelo menos numa coisa António não a desiludira: era adepto do Benfica como a mãe. Foi o amante que conseguiu uma ida aos treinos da equipa para Maria Helena e para o filho. Nesse dia, António faltou à escola e Maria Helena conseguiu trocar para o turno da noite. Agostinho - era assim que ela passara a tratá-lo nos seus pensamentos mais íntimos, um pensamento fixo e cada vez mais determinado - foi buscá-los a casa para os levar ao Estádio da Luz. «António, vem conhecer o meu novo amigo», gritou Maria Helena quando tocaram à porta. O rapaz nunca tinha visto a mãe tão radiante, mas pensou que fosse por causa do treino.

Maria Helena agarrava a mão de António e puxava-o. Ele sentia-se especial por ser a única criança da escola a assistir a um treino do Benfica. Já no estádio, subiram as escadas e seguiram apressados por um longo corredor até à bancada. Ele observava de olhos fixos, ficando excitado com as fintas dos jogadores e Maria Helena gritava o nome deles. No fim do treino, puderam descer ao relvado e Coluna assinou a bola do menino. Nesse dia, quando a mãe o levou a casa da avó para passar a noite, António despediu-se com um abraço e, por uma vez, Maria Helena não o repeliu.

Por essa altura, Maria Helena e Agostinho Ribeiro já eram um casal com hábitos adquiridos. Tinham-se instalado nas suas rotinas e era muito difícil afastarem-se. Ela já não era capaz de renunciar ao amante - não que o amasse, mas substituíra os laços de amor pela vertigem do domínio. O nó entre eles era esse. A sua relação não era bordada a versos, mas pela cumplicidade do poder. Uma vez por semana iam a um restaurante e ele propunha-lhe que fossem para a cama. Invariavelmente, a conversa durante o jantar discorria sobre os casos que tinham em mãos ou sobre outros do passado («lembras-te daquela prisioneira que cantava durante a tortura do sono?»). Às vezes iam ao cinema, outras deslocavam-se ao Estádio da Luz para ver um jogo. Falavam dos problemas do filho de Maria Helena ou da débil saúde da mãe de Agostinho Ribeiro, mas o que lhes interessava verdadeiramente eram as histórias que contavam um ou outro sobre os detidos. A partir dessas narrativas desenvolviam as suas próprias fantasias e entregavam-se um ao outro como amantes.»

 

SILVA, Ana Cristina – As longas noites de Caxias. 1ª ed. Lisboa : Planeta, 2019. pp. 121 - 123, 127, 159 - 161

Leituras em tempo de quarentena

Com os meus cumprimentos e as habituais Saudações Leoninas ao meu colega Paulo Barata.


SINOPSE


Futebol, e não só. O Sporting Clube de Portugal, desde os anos da sua criação, cultivou apaixonadamente o ecletismo. Importantes desde o primeiro momento, as restantes modalidades desportivas representam, ainda hoje, um dos valores distintivos da identidade do Sporting. Esta nova História do Sporting Clube de Portugal, que não é uma rescrita, insere a génese do clube na história da cultura e do desporto em Portugal. Com base em documentos - uns inéditos ou pouco conhecidos, outros reinterpretados -, factos, pessoas e instituições são analisados à luz de contextos sociais mais amplos. Da abordagem inovadora feita pelos autores surgem novas perspetivas sobre os primeiros tempos do clube, aqui apresentados de forma dinâmica, numa viagem que leva o leitor até à época dos distintos sportsmen, das glamorosas festas desportivas, das atribulações dos primeiros torneios e competições.

Este livro, assente no indispensável rigor histórico e profusamente ilustrado com imagens e documentos da época, exalta protagonistas desconhecidos, episódios relevantes, resultados memoráveis do período fundacional do Sporting Clube de Portugal. Das origens mais remotas até à morte prematura de José Alvalade, em 1918, dá-se a conhecer a era em que um grupo de amantes e praticantes de desporto ergueram um clube com princípios, valores e condições ímpares para a prática dos desportos. Nos designados Anos Alvalade, o Sporting tornou-se no clube com as melhores instalações desportivas do país e um expoente máximo da relação entre o exercício físico e o equilíbrio intelectual, moral e social dos indivíduos.

Um século depois da morte de José Alfredo Holtreman Roquette, para a posteridade conhecido por José Alvalade, o Sporting Clube de Portugal permanece fiel às suas origens. O legado deixado pelo fundador ainda perdura. Indispensável para qualquer sportinguista, esta é a história dos primórdios de um clube único.

 

A guerra e as pás

Focávamos, é certo, apenas certos aspectos da guerra

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O título do postal está ligado à guerra (é uma guerra) que se instalou no Sporting.

Cada um com uma pá na mão, cada qual a ver quem cava mais mais fundo.

O sub-título é uma citação de Steinbeck, o foco, focarmo-nos naquilo que estamos, firmemente, persuadidos que é o nosso dever.

Sobre futebol jogado, fora das quatro linhas, outros falaram mais, muito melhor do que eu.

Para memória futura, a página 11 do órgão oficioso do Benfica, pela pena de Duarte Gomes (sim, esse Duarte Gomes):

"Luís Godinho não assinalou duas grandes penalidades a favor do Sporting."

Como se constrói uma catedral

(Sporting - V. Guimarães | 44.107 espectadores)

 

«UMA FORMA INESPERADA, mas certeira, de erguer uma catedral foi a que encontrei num conto de Raymond Carver. Dois homens estão numa sala com o televisor ligado. De repente, faz-se um silêncio na conversa que mantém e ouve-se a voz que vem do aparelho. Fala-se de catedrais. É um documentário sobre catedrais. E um dos homens pede ao outro: "Descreve-me uma catedral." Esse homem é cego. O outro hesita, soma banalidades, diz que são monumentos enormes, feitos de pedra, que são tão altos que precisam de reforços para se susterem no ar, que pertencem a um tempo perdido (…).

O cego ouve-o. E propõe-lhe o seguinte: "Traz um papel e um lápis, deixa que a minha mão fique segura à tua e deslize-a enquanto me desenhas o que é uma catedral." Era um pedido insólito, mas ele não teve coragem de recusar. E assim foi. Primeiro desenhou uma caixa que parecia uma casa. Pôs-lhe um telhado e pináculos também. Acrescentou janelas com arcos e grandes portas.

O cego pediu-lhe ainda que desenhasse pessoas. "O que é uma catedral sem pessoas?" E, após isso, que ele fechasse os olhos e continuasse, sem medo, a desenhar. Como se apenas de olhos fechados se pudesse ver uma catedral. As duas mãos pareciam uma apenas, deslocando-se em silêncio sobre o papel, unidas uma dança errante, como se flutuassem. Ele nunca sentira nada assim. Estava em sua casa. Sabia que estava em sua casa. Mas, de repente, não tinha a certeza de que estivesse ainda ali.»

 

In.: MENDONÇA, José Tolentino, O pequeno caminho das grandes questões. Lisboa : Quetzal, 2017. p. 111

 

P.S.: Os 'links' são de minha autoria

Foto retirada do site SuperSporting

Nelson Mandela

No dia em que o sócio de mérito 31118 (em 2013) festejaria 100 anos, a nossa homenagem

 

«Acima de tudo espero que as crianças não percam nunca a capacidade de alargarem os horizontes do mundo em que vivem através da magia das histórias

Nelson Mandela

 

----

 

«Na verdade, na verdade, nem tudo o que vão ouvir corresponde à realidade.»

 

É com estas palavras que os contadores de histórias ashanti iniciam as suas narrativas e elas parecem ajustar-se a servir de introdução a uma antologia como esta, uma vez que muitas destas histórias passaram por inúmeras metamorfoses ao longo dos séculos. Quem conta um conto acrescenta um ponto, e alguns deles passaram de um povo ou grupo étnico para outro.

Uma história é uma história, e podemos contá-la de acordo com a nossa imaginação ou o ambiente que nos rodeia; e se a nossa história ganha asas não podemos impedir que outros se apropriem dela. E pode acontecer que ela um dia regresse, com novas roupagens e uma nova voz. Esta característica peculiar das histórias tradicionais pode ser ilustrada pela forma como os contadores de histórias habitualmente concluem as suas narrativas: «Esta é a minha história, tal como a contei; tenham gostado ou não, levem-na para outros lugares e tragam-ma de volta».

Nesta antologia, algumas das histórias mais antigas de África, depois de terem viajado ao longo dos séculos para lugares distantes, são devolvidas com nova voz às crianças de África. A presente recolha oferece uma mão-cheia de contos de todos os tempos, verdadeiros retalhos da alma africana, mas ao mesmo tempo plenos de universalidade naquilo que retratam dos homens, dos animais e do mundo sobrenatural.

As crianças terão oportunidade de reencontrar alguns dos temas mais acarinhados nas histórias africanas, ou, quem sabe, de os descobrir pela primeira vez. Eis a criatura manhosa que consegue ludibriar toda a gente, mesmo os adversários mais corpulentos: Hlakanyana dos Zulus e dos Xhosa, e Sankhambi dos Venda; a lebre, essa patifória astuciosa; o habilidoso chacal, frequentemente no papel de trapaceiro; a hiena (por vezes associada ao lobo) a fingir-se desprotegida; o leão no seu papel de rei a distribuir benesses aos outros animais; a cobra, que provoca medo, mas simbolizando também o poder curativo frequentemente associado ao poder da água; palavras mágicas que marcam o destino ou assinalam a liberdade, pessoas e animais que passam por metamorfoses; canibais terríveis que apavoram miúdos e graúdos.

Para complementar estes tesouros da tradição, esta recolha inclui também algumas histórias mais recentes provenientes de vários pontos da África do Sul e de outras regiões do continente africano.

Espero que a voz do contador de histórias nunca deixe de se ouvir em África. E que todas as crianças de África possam maravilhar-se com a beleza dos livros. E, acima de tudo, que as crianças não percam nunca a capacidade de alargarem os horizontes do mundo em que vivem através da magia das histórias.

 

NELSON MANDELA

 [no prefácio]

 

 

«A GATA QUE PREFERIU VIVER DENTRO DE CASA

 

Existem muitas histórias que explicam a forma como os cães foram domesticados, mas este conto shona do Zimbabué, contado originalmente na língua karanga ao musicólogo e etnólogo Hugh Tracey, explica a forma como os gatos se tomaram habitantes acarinhados das casas humanas.

 

Há muito, muito tempo existia uma gata, uma gata selvagem, que vivia sozinha no meio do mato. Cansada de viver sozinha, arranjou marido, um gato selvagem que ela considerava o animal mais esperto de toda a selva.

Um dia, seguiam eles a sua jornada por entre o capim, saltou-lhes ao caminho o Leopardo, que derrubou o marido Gato e o atirou para a poeira.

- O-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o meu marido está coberto de pó e já não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Leopardo.

E a Gata foi viver com o Leopardo.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles a caçar no mato, de repente surgiu o Leão que atacou o Leopardo pelas costas e o devorou num instante.

- O-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Leopardo não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Leão.

E a Gata foi viver com o Leão.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles a passear na floresta, surgiu uma sombra ameaçadora por cima das suas cabeças, e - chap-chap - o Elefante pôs uma pata em cima do Leão e esmagou-o contra o chão.

- O-o-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Leão não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Elefante.

E a Gata foi viver com o Elefante. Montava-se nas costas dele, agarrada ao pescoço junto às suas enormes orelhas.

Felizes, viveram juntos até ao dia em que, andavam eles por entre os canaviais à beira do rio, e - pum!-pum! - ouviu-se um estampido, e o Elefante caiu redondo no chão.

A Gata olhou à sua volta e viu um homem com uma espingarda.

- O-o-o-o-oh! - exclamou a Gata. - Vejo agora que o Elefante não é o animal mais esperto da selva. O mais esperto é o Homem.

E a Gata seguiu o Homem ao longo do caminho até à casa dele, e subiu para o telhado da sua cubata.

- Até que enfim! - exclamou a Gata. - Acabo de encontrar a criatura mais esperta da selva.

Vivia no telhado da cubata e começou a caçar os ratos e as ratazanas que havia na aldeia. Um dia, estava ela no telhado a aquecer-se ao sol, ouviu um barulho que vinha do interior da cubata. As vozes do Homem e da Mulher aumentaram de tom, até que o Homem saiu para o exterior e caiu redondo no meio da poeira.

- Ah! Ah! - exclamou a Gata. - Agora é que eu sei quem é a criatura mais esperta em toda a selva. É a Mulher.

A Gata desceu do telhado, entrou na cubata e sentou-se junto ao lume.

E aí ficou até aos dias de hoje.»

 

In: As mais belas fábulas africanas : as histórias infantis preferidas de Nelson Mandela. 4ª ed. Lisboa : Nuvem de Letras, 2017. pp. 11-13, 23-27

No livro "Silêncio" de Shusaku Endo...

... que deu origem ao filme de Martin Scorcese com o mesmo título, encontro duas passagens que, por certo, os nossos «amigos» de outras cores que gostam de visitar este espaço, se sentirão reconfortados com a leitura. Para eles:

 

 

«Ao longe, ouviam-se vozes de crianças a cantar. Aguçando o ouvido, conseguiu mesmo apanhar-lhes o estribilho:

 

Lampião, meu lampião,

Se alguém te apedrejar

Logo fique sem a mão.

 

Era como um lamento entrecortado, a canção das crianças.»

 

(…)

 

«Até ao fim desse dia não largou a janela, observando o movimento das crianças. Uma delas, segurando o cordel de um papagaio, corria encosta acima, mas, sem vento, o papagaio tombou preguiçosamente no chão.

Ao cair da noite, abriu-se um rasgão nas nuvens e o sol filtrou-se por elas com languidez. Já cansadas de brincar com o papagaio, as crianças batiam agora à porta das casas, cantarolando:

 

Vamos caçar a toupeira,

Que bicho danado é.

Viva a gente desta casa,

Trai-lari, lari-lolé...»

 

 

SHUSAKU ENDO - Silêncio. 2ª ed. rev. Lisboa : D. Quixote, 2010. pp. 184 e 259

 

Leituras

«(...)Ficou claro que o candidato Bruno de Carvalho foi o catalisador principal dos votos de muitos sócios revoltados, descontentes e mesmo desesperados, por razões óbvias. Essas expectativas são delicadas de gerir, porque a barra fica situada a um nível alto; o eleitorado com esse perfil necessita ser permanentemente alimentado e motivado, a experiência assim o ensina (...). Espero que a clarividência prevaleça e o Bruno de Carvalho resista a ser o presidente de uns sportinguistas contra outros, porque, no final é sempre o clube que fica prejudicado», Carlos Barbosa da Cruz, in Record.

 

«Seria bom que Bruno de Carvalho ganhasse cada vez mais a confiança da massa associativa e mostrasse solidez nas ideias e na execução do projecto. Não acredito que entre no Sporting a saber tudo o que precisa de saber para ser um bom presidente, mas já seria importante que tivesse a humildade de aprender, e depressa, a ser o presidente de que o Sporting tão manifestamente precisa», Vítor Serpa, in A Bola.

 

«O estado de graça não durará sempre. Os sócios que o elegeram querem começar a sentir com o passar do tempo que os problemas financeiros estão a ser resolvidos, tal como o próprio Bruno de Carvalho prometera. E há, por outro lado, uma nova época desportiva para preparar. O título pode não ser possível, mas quem foi às urnas votar na Lista B conta com algo mais do que uma equipa "made in Alcochete" em 2013/14», Luís Pedro Sousa, in Record.

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