Sangue Verde
Sou sportinguista desde que me conheço. Em boa verdade, talvez, até, desde antes de me conhecer. Suponho que o sportinguismo me está escrito no sangue, o que não é para admirar, uma vez que fui educado por um pai que já tinha sido moldado nos ditames desta observância. Na minha família alargada, que é bastante grande, o sportinguismo é um traço de união, um laço familiar quase indissolúvel, um dogma que, como todos os dogmas, não se discute. São bisavôs, avôs, filhos, netos, tios-avôs, tios, primos, sobrinhos, sobrinhos-netos, bisnetos, uma família que, independentemente do sexo e idade dos seus membros, é devotadamente sportinguista. O meu pai e um seu irmão, meu tio, portanto, foram atletas do Sporting, tendo o meu pai chegado a ser campeão de pentatlo, no início dos anos 50, e foram ambos amigos, desde muito novos, de nomes grandes de vários desportos que fizeram o ecletismo e a grandeza do nosso clube. Tenho um tio-avô e irmãos que pertenceram aos seus órgãos sociais, ao Conselho Leonino, que foram responsáveis por secções de mais do que uma modalidade e eu próprio, mais modestamente, colaborei, pelo fim dos anos 70, no Jornal do Sporting - cujo director era então João Xara Brasil, a cuja figura de homem distinto e ilustríssimo sportinguista aproveito para deixar uma muito sincera palavra de homenagem. As minhas filhas, as três sócias, claro, os filhos dos meus três irmãos e os netos de um deles, o único que já os tem, também sócios desde o dia em que nasceram, isto para só falar na família mais próxima, são todos, se possível, ainda mais orgulhosamente sportinguistas do que os seus ascendentes. Os seus filhos, espero-o bem, sê-lo-ão a dobrar. Face a todo este quadro de devoção, de afectos profundamente enraizados na história do Sporting - do Sporting, realço, não do futebol - e, se me autorizam o excesso grandiloquente, de rico património genético leonino, face a este quadro a que, se necessário, poderia, ainda, acrescentar abundantes pinceladas verdes e brancas de acrisolada paixão clubística, perante, repito-me, este perfil marcado pelo sangue verde que me corre nas veias agradecidas, vou, com a benevolência dos meus escassos leitores, se é que existe algum - e porque, neste como em todos os domínios da nossa vida colectiva, faço sempre questão de marcar uma posição bem definida - permitir-me deixar uma adivinha, de tão fácil resposta que não contraria o meu desejo de clareza : em qual dos candidatos é que eu vou votar no dia 23 de Março? Ou melhor, para o caso de acontecer algo de imprevisível e extraordinário, em que candidato é que, de certeza absoluta, nem que do céu chovam rublos, eu não vou votar no dia 23 de Março?