Ao vencedor, nem as "batatas"
Um recém-escrito sobre Mário Jardel que precipitou uma referência a Laszlo Boloni como um treinador «medíocre», fez-me vir à mente, de novo, duas velhas questões. A primeira, o popular mito de que «com Jardel na equipa, qualquer treinador era campeão». A segunda, a peculiar disposição inerente aos únicos três treinadores «leoninos» que foram campeões nos últimos trinta anos; todos foram demitidos, sem grande donaire, pouco tempo depois de terem conquistado os respectivos títulos, deixando a incómoda ideia de que mesmo ser ganhador não dispensa qualquer estado de graça aos técnicos do futebol, pelo menos a estes do Sporting.
Malcom Allison chegou ao Clube em Maio de 1981. Foi campeão nessa época e nem sequer começou a seguinte, tendo sido demitido por João Rocha, por alegada conduta imprópria durante a pré-época. Seguiu-se o infame jejum de 18 anos - recorde que seria eventualmente batido pelo Benfica - até à chegada de Augusto Inácio em Outubro de 1999, inicialmente com o intuito de ocupar a posição apenas até ao final da época. O inesperado aconteceu e o Sporting conquistou o muito celebrado título nacional. A campanha de 2000-01 não começou bem e Augusto Inácio acabou por ser demitido após a célebre derrota (3-0) perante o Benfica, que deu ensejo às controversas e malogradas negociações para a contratação de José Mourinho. Chega então a Alvalade o até aí pouco conhecido romeno Laszlo Boloni, que assume a liderança de uma equipa cujo goleador de serviço acabaria por ser o então recém-transferido Mário Jardel. O Sporting renovou o título nacional - muito pelo contributo dos 42 golos pelo avançado brasileiro - conquistou a Taça de Portugal e os jovens Ronaldo, Quaresma e Hugo Viana foram introduzidos ao relvado principal. A época seguinte viria a dar ensejo a diversos dissabores; a estrondosa polémica em torno de Jardel, a muito infeliz lesão do jovem Niculae que o afastaria dos relvados por mais de seis meses e o consequente 3.º lugar na tabela classificativa. Laszlo Boloni, seguindo o mesmo caminho dos outros dois técnicos campeões, foi prontamente demitido do cargo.
Além destes, ainda existiram outros casos semelhantes, embora sem terem sido campeões: Sir Bobby Robson foi despedido por Sousa Cintra em Dezembro de 1993 - com a equipa em 1.º lugar - após o afastamento das competições europeias. José Peseiro, que na época de 2004-05 apresentou um Sporting com uma dinâmica de jogo que já não se via há muitos anos, sofreu o desaire - e a insólita afronta - de perder o campeonato no derradeiro minuto do penúltimo jogo da época e, uma semana depois, a final da Taça UEFA, foi demitido na fase inicial da campanha seguinte, quando a equipa atravessava um período de menor agrado e resultados. E, para não alongar ainda mais o texto, nem evoco o também discutível consulado de Paulo Bento.
Laszlo Boloni, mesmo sem ser um treinador genial, é merecedor de muito mais reconhecimento do que lhe foi concedido pela conquista do título em 2002. Era um excelente profissional e devoto estudioso do futebol, que soube identificar as características dos talentos à sua disposição e adaptar um sistema de jogo que visava extrair o máximo rendimento dos mesmos, com Jardel o caso em ponto. Esta contenda faz-me sempre lembrar o lendário Ian Rush, o melhor marcador da história do Liverpool - 346 golos - e vencedor da Bota D'Ouro. Em 1987, já com 139 golos em 224 jogos, o avançado galês foi transferido para a grande Juventus dos tempos do extraordinário extremo polaco Boniek. Pela pura deficiência do treinador em não saber implementar um estilo de jogo para tirar o devido proveito do fenomenal goleador, este acabou por marcar apenas sete golos na época e foi devolvido ao Liverpool. Resumiu aí o seu usual percurso para as balizas adversárias, marcando ainda mais de 200 golos ao serviço do clube inglês.
Resumindo e concluindo, não será desasjustado adiantar que, para o treinador de futebol, o lema, hoje e sempre, aparenta ser: «Esquece ontem, o que fizeste por mim hoje?» A cultura futebolística exige-o, especialmente em Portugal, e as relevantes paixões clubísticas imploram-no.