Eu, Mr. Magoo
Foi há dois anos, aos meus 45, que chegou o diagnóstico, incontornável: geronte. Fui obrigado a recorrer a esta prótese, então receitada só para a leitura. Mas logo me avisaram que a degenerescência seria implacável, continuada. A minha visão diminuirá, exausta, diminui, passo a passo, esbatendo-se gradualmente este belo mundo, se apercebido a cru.
Deve ser por isso, pela minha progressiva invisualidade, que hoje pouco percebo dos meus queridos co-sportinguistas. Raiva e indignação por todo o lado, clamores, até vejo publicada (por aquilo a que antes, na ingénua era do meu pai, se chamava "uma senhora") a morada do pobre (e mau) árbitro de futebol Bruno Paixão!
Eu, qual Mr. Magoo, não me apercebi de nada, no nevoeiro em que vou vivendo apenas vi uma equipa a jogar fraquito, ao intervalo um belo risco do técnico recém-divinizado, que correu mal (o que não o diminui, pois se quem não arrisca não petisca isso não implica que sempre se petisque). Lá no meio um penalti mais ou menos em cima da linha da área (pois, uma chatice) e um parece-que-penalti esparvoado do João Pereira da cabeça quente. Mais para a frente uma entrada daquelas que costumam levar amarelo e que nos fazem levantar do sofá quando é contra os nossos homens, aos urros a pedir "vermelho, gatuno".
No fim, e já em alucinação minha, decerto, pois mais ninguém o refere, imaginei o médico do Sporting a ser expulso. Acordei, estremunhado, com o bizarro sonho. Poderia lá o médico ser expulso, o homem está lá para trabalhar, é aquele que até numa invasão de campo deverá manter a cabeça fria (para cuidar dos feridos, longe vá o agoiro). Mas não, lá no meu estranho sonho, o homem em vez de ser despedido ainda ia a herói.
Vou passar a ver os jogos com os óculos postos. A ver se me consigo indignar. Em vez deste cinzento abanar de cabeça. Não com os jogadores, nem com o semi-deus que os dirige.